19 de Abril de 2025 | Coimbra
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António Inácio Nogueira

TESTEMUNHOS : Um Hotel Com História Iª Parte

26 de Agosto 2022

Para aquietar a minha doença, estive no Hotel Urgeiriça, uma semana no mês de Julho, no meio de um silêncio bondoso provocado pelas árvores dos seus jardins, apenas salpicado pelos chilrear dos passarinhos em abundância. O hotel situa-se perto da Povoação de Canas de Senhorim.

Com a bênção do caminho de ferro que ali vai passar perto, surgiram novidades na zona, algumas delas bem-sucedidas, como é o caso das Caldas da Felgueira, que chegaram a conhecer um certo investimento com honras de citação no Guia de Portugal, que o aborda nos seguintes termos:

«Chamava-se em tempos Banhos ou Caldas de vale Medeiros».

«A exploração, iniciada em 1880, exigiu escavações relativamente profundas, dirigidas pelo Arq. Berquó. Tem três nascentes de águas medicinais, cloretadas sulfúreo-sódicas, carbonetadas, radioactivas (duas fontes frias a 17o e a mesotermal a 32o) indicadas no tratamento de doenças de vias respiratórias e circulação, reumatismo, dermatoses anafilácticas, diabetes e flebites. Contaram-se 864 aquistas inscritos em 1940 no balneário …. A estância está a 200 metros de altitude, na margem esquerda do rio…»

Um quilómetro ao norte de Canas de Senhorim demarca-se o couto mineiro de Urgeiriça, um dos grandes jazigos de urânio a nível europeu, concessionado e explorado desde o início por uma companhia inglesa. De facto, segundo se lê na edição de 1931 do Boletim das Minas, adjudicaram-se no concelho de Nelas, e nesse mesmo ano, concessões de minas, todas de urânio, uma na Urgeiriça, seis em Nelas e três em Vilar Seco.

Todos os filões se revelaram de fracos recursos e com poucas condições de êxito, sendo por isso rapidamente abandonados à excepção da exploração e extracção da Urgeiriça, onde em 1934 já trabalhavam operários e um engenheiro, dando então origem a uma povoação, hoje praticamente abandonada.

Dentro dos limites da concessão – e voltamos a citar o Guia de Portugal –, «no meio de tufos de austrálias, pinheiros bravos e vinhedos, num sitio saudável e recolhido, embora a dois passos da estrada e da linha férrea, estão as luxuosas instalações da estância da Urgeiriça, de férias e repouso, com uma nascente de água medicinal, hipossalina, bastante radioactiva. Hotel Urgeiriça, aberto todo o ano, preços elevados (20 quartos), com diversos pavilhões anexos de aluguer, de dois, três ou quatro quartos de dormir, salas de leitura e quartos de banho. Piscina, campos de ténis e golfe. É uma estância mundana principalmente frequentada por pessoas de nacionalidade inglesa.»

Em 1930, o súbdito inglês Charles Harbord comprou as minas de urânio da Urgeiriça,

Segundo ele, o seu interesse pela isolada Urgeiriça não teria outra finalidade para além de proporcionar tratamento a uma sua tia, vítima de grave doença nas articulações dos membros inferiores, que a medicina não conseguiu resolver, e para a qual uma vidente inglesa teria receitado a estranha colocação de pedras radioactivas sobre as articulações afectadas.

Harbord, não olhando a despesas, adquiriu não só a concessão das minas de urânio da Urgeiriça mas também a grande propriedade envolvente, onde se apressou a mandar edificar uma enorme mansão, com quartos suficientes para alojar a família (incluindo a tia convalescente), sobrando espaço para os engenheiros ingleses encarregados de dirigir os trabalhos de extracção do urânio.

Cinco anos depois da dispendiosa instalação, a residência é transformada numa estância de repouso, sob a designação de English Hotel Urgeiriça.

É desta época a construção da piscina e do campo de ténis, sinais exteriores de opulência nunca vistos na pacata Beira Interior e que atraiam inúmeros visitantes ingleses, amigos de Harbord, alguns deles de alta aristocracia. Aqui começa a história do Hotel Urgeiriça

Em finais da década de 1930 foi ampliado

As zonas verdes envolventes foram devidamente tratadas e integradas, desenvolvendo-se nelas actividades hoteleiras, recepções e banquetes. Tudo sob a mão do Regime de então, inclusive de António Ferro, uma das suas figuras de proa preponderantes. Não admira, pois, que o hotel tenha vindo sempre em crescimento.

Em meados da década de1950, 1958, mais precisamente em 12 de Dezembro de 1955, o hotel vai sofrer sob a batuta do Arq. Luís Amaral novas melhorias e ampliações que o vão aproximando do que hoje é.

Largamente frequentado por ingleses, alguns praticamente vivendo lá, pois há casos de hospedagem ininterrupta que se vem verificando há três anos, outros que têm aposentos permanentemente alugados, mesmo quando ausentes, foi assim o hotel criando características ao gosto dos hóspedes, formando um ambiente pelo qual se tornou conhecido e até procurado.

Apesar dos reconhecidos defeitos congénitos, o Hotel Urgeiriça foi noticia nos finais da década de 1950, em diversos jornais, entre eles o Diário de Noticias na sua edição de 22 de Janeiro de 1959, sob o titulo O Novo Hotel da Urgeiriça:

Pela amenidade de clima tão salubre, muitos dizem preferir os subúrbios de Canas de Senhorim e Urgeiriça à Costa do Sol e até à Cote d’Azur e Mónaco.


  • Diretora: Lina Maria Vinhal

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