A Arte Xávega é hoje muito falada, por vezes de forma displicente e plena de incorreções, cometidas, ditas, sublinhadas, por gente de responsabilidade, às vezes na área do turismo. Modestamente daremos uma achega para dissipar confusões. Há a acrescentar que a Arte atual (poderei chamar-lhe assim?), não utiliza só a robustez do homem, foi-se adaptando de forma a tornar mais leve o seu esforço e a minorar a falta de sujeitos do mar (e, por isso, já se usam tratores, barcos com motor adaptado e outras tecnologias do momento atual).
A Xávega é um tipo de pesca muito antiga e conhecida de muitos dos nossos antepassados. Os pescadores da Galileia entendiam esta pesca. Os fenícios, gregos e romanos também. O barco característico da Xávega foi difundido a partir do Algarve. Supõe-se que tem origem mourisca. Disseminou-se rapidamente na zona central do país, a nossa região, já que as suas características respondiam eficientemente às condições naturais da área. Foi provavelmente em Ílhavo, ou porventura em Ovar, que a Arte começou a ser exercitada, para mais tarde se expandir para o Norte e para o Sul da região através dos seus precursores designados por ilhós, varinos e murtoseiros. Eles deram a conhecer a Xávega em grande parte da costa portuguesa.
Quem praticou este tipo de pesca contribuiu para o desenvolvimento de uma Arte. Muitos a experienciaram no século XIX, altura em que a população do país começou a aumentar significativamente e a terra já não chegava para todos. A gente do interior, finalmente, e, por necessidade, começou a fluir ao litoral. Alguns põem-se a lavrar a terra arenosa conquistada às dunas e durante a temporada da sardinha vão trabalhar para as Companhas de Xávega. Com disponibilidade de gente e abundância de sardinha na costa, as Companhas multiplicaram-se. Em finais do século XIX, aparecem as fábricas de conserva que aumentam a procura e fazem subir muito o preço do peixe. Abrem-se estradas que ligam as praias ao interior, facilitando a venda do peixe. A Xávega atinge o apogeu. Há cerca de 90 Companhas a trabalhar em 25 praias da costa ocidental.
Mas afinal o que é, e qual a razão da prática da Arte Xávega em mares e areais?
Ernesto Veiga de Oliveira e Fernando Galhano foram estudiosos, historiadores e pensadores da Arte. Pela minha parte, o que vi, ouvi e escrevi, são memórias que contribuem para também a dar a conhecer. Deles e de mim próprio, respiguei o fundamental para escrever algo que aprofunde o conhecimento desta Arte de onde muitos pobres tiravam uma réstia de vida.
A arte da Xávega compreende o barco e as redes. É uma pesca de Campanha, que pressupõe o esforço coletivo e a existência de grupos regulares de pescadores organizados socialmente, nos pontos onde é praticada.
“O total desabrigo da praia requer uma manobra difícil e violenta à largada e chegada dos barcos, que, por falta de ancoradouros, têm a cada lanço de ser alados e varados em terra. Eles são, por isso, de proa e popa elevadas e de bordos altos, para enfrentarem a rebentação ao entrarem na água. Têm fundo chato e arqueado e sem quilha, para mais facilmente deslizarem na areia. Possuem pesados e fortes remos com cerca de 10 metros de comprimento. A rede da Xávega compõe-se de um saco terminal amplo, de malha apertada, aberto apenas à frente, onde, com a alagem, o peixe acaba por ficar encurralado; dos lados dessa boca partem duas compridas mangas, de malha larga, que se prolongam pelos cabos, com cerca de três quilómetros de comprimento cada um.”
A Companha é um sistema social, de funções bem diferenciadas a despeito da sua simplicidade, cuja hierarquização se mede pela importância das responsabilidades dos seus componentes e se reflectem nos respectivos salários. Ela compreende o pessoal do mar e o pessoal da terra, e nas artes maiores compõe-se de oitenta pessoas e mais.
O pessoal do mar consta do arrais, do calador (que larga a rede), dos remadores dos vários remos, outros pescadores com funções variadas, formando uma unidade com eficácia, com funções diversas e complexas.