É verdade, o PS permanece largamente o maior partido autárquico, refletindo um predomínio que tem 12 anos e que historicamente se acentua com permanências mais ou menos longas no poder central – que é aquilo que não sabemos se o PS assegurará em 2023. Em termos globais, o PS (incluindo coligações com partidos menores e que se evolveu) manteve praticamente a sua votação (37,8% – 37,6%).
Mas esta vitória esconde uma tendência subterrânea: a quebra mais ou menos generalizada nos grandes centros urbanos (salvo pequena subida em Braga) e suburbanos onde era Governo, com relativa exceção de alguns municípios da Área Metropolitana do Porto (AMP), compensada por perdas nos dois maiores, Porto e Gaia, ou o reforço em Almada, que se explica fundamentalmente pela regra de que sempre que o desafio da CDU podia pôr em perigo câmaras socialistas, votantes da direita fizeram, como já faziam, voto útil no PS.
Pelo contrário, a direita clássica (PSD, CDS e pequenos partidos, em coligação ou não) não ganha votos (34,9% – 34,4%, todas as listas somadas). Para fazer uma estimativa de quanto vale o conjunto da direita autárquica em Portugal haverá que somar a IL (1,3%) e o Chega (4,2%) e provavelmente a maioria dos votos nas listas dos chamados independentes (5,5%), a começar por Rui Moreira ou Isaltino Morais. Se somarmos tudo isto, as direitas, mais diversificadas que no passado parecem ter regressado aos 42% que as direitas congregaram na maioria das eleições desde 1975.
Hoje não seria suficiente para ganhar legislativas, mas não duvidemos que é base suficiente para 2023. O que voltamos a perceber é que não voltará a haver Governo de direita sem a extrema-direita. Ponto final.
A CDU continua a conservar, bem destacada, o lugar de terceira força autárquica, com uma presença que continua insubstituída, Mas é sobretudo no Sul que, dirigindo autarquias há muitos anos, continua a dispor de um capital de confiança que faz com que duplique (Almada, Seixal, Évora) ou triplique (Loures, Setúbal) em eleições autárquicas os resultados que tem as legislativas – o que a não impede de perder câmaras para o PS, há muito domina politicamente o sul inteiro. O que raras vezes se sublinha é que os resultados autárquicos da CDU se aproximam cada vez mais dos das legislativas.
Essa já era a norma em quase todo o norte e Centro do país, em Lisboa na maioria do Algarve, e passou a ser a norma entre muitos exemplos, em municípios como Barreiro (20,8% nas legislativas de 2019, 23,43% agora). Por outras palavras, os 8,21% deste domingo são mais parecidos com os 6,46% das legislativas do que há 20 ou há 40 anos quando a diferença era muito maior. Pode-se dizer que há cada vez mais continuidade e coerência entre um voto e outro – mas não se pode dizer que a CDU tenha perdido a sua função de alternativa à esquerda do PS, com muito mais eficácia comparativa que a do BE.
O BE, e se candidatou ao terço mais populoso dos 308 concelhos do país, tem resultados contraditórios: ao mesmo tempo que recua em Lisboa (sem perder a vereadora), cresce de forma inédita no Porto, elegendo pela primeira vez em 20 anos, um vereador. Reduzido a 2,75% dos votos, o BE parece estar condenado a estes quase 3% que teve sempre e lhe permitem uma presença importante nos centros urbanos, garantindo-lhes em muita poucos alguma capacidade de negociação. Mas o quadro parece não mudar; o BE é o reverso da CDU uma grande parte de quem nele confia nas legislativas, prefere voltar ou CDU nas autárquicas.
E o Chega? É outra aparência a extrema-direita parece consolidar uma parte da votação (por enquanto irrepetível) de Ventura nas presidenciais: quanto mais para Sul se caminha, em território (Lisboa, Sintra e Loures incluídos) em que o candidato racista juntara 12%-14%, mais o Chega conserva hoje 50%-75% dos votos de Ventura; quanto mais para norte, mesmo no litoral (em que os resultados de Ventura foram os mais baixos), essa proporção raramente chega ao 20%,o que faz com que os 15% -20% que Ventura conseguiu e vários concelhos transmontanos e beirões se reduzam a nada.