As alterações climáticas são importantes para os bancos centrais. Não só constituem uma ameaça existencial para a civilização, como também acarretam riscos graves para a economia. Inundações, tempestades e incêndios tornaram-se mais frequentes. Fenómenos meteorológicos extremos danificam infraestruturas, destroem colheitas e fazem subir os preços dos produtos alimentares.
A fim de garantir um futuro habitável, a União Europeia (UE) comprometeu-se a alcançar a neutralidade climática até 2050. Tal exigirá um enorme investimento e inovação e tem implicações para a inflação durante a fase de transição. Além disso, torna redundantes partes do stock de capital e gera riscos financeiros.
Por conseguinte, o BCE não pode ignorar as alterações climáticas. Estas têm efeitos diretos na estabilidade de preços e estão, assim, no cerne do mandato primordial do BCE. Criam riscos financeiros, que são importantes tanto para a gestão do risco das operações do BCE como para a supervisão bancária. Dado que constituem uma prioridade para os legisladores europeus, o BCE terá em conta as alterações climáticas no que respeita ao objetivo de apoiar as políticas económicas gerais da UE, sem prejuízo da estabilidade de preços.
Ao fazê-lo, o BCE pode atuar, no âmbito do se mandato, como catalisador para tornar o sistema financeiro mais ecológico. Pode apoiar o desenvolvimento de mercados de capitais verdes necessários para financiar a transição para uma economia hipocarbónica. Pode ainda assegurar que os bancos tenham devidamente em conta os riscos relacionados com o clima nas suas decisões de concessão de crédito.
Esta semana, o BCE apresentou o primeiro marco no sentido da incorporação de considerações sobre as alterações climáticas na sua política monetária. Uma importante medida prende-se com as nossas aquisições de ativos do setor privado. A carteira do BCE de obrigações de empresas pautou-se, até à data, pelo princípio da “neutralidade de mercado” e por conseguinte, reflete o atual universo de obrigações. Porém, são sobretudo empresas de setores com levada intensidade carbónica que emitem tais obrigações.
Este facto gerou um enviesamento para o carbono na nossa carteira e uma acumulação de riscos relacionados com o clima no nosso balanço. Com vista a reduzir esses riscos, começaremos a direcionar os reinvestimentos das obrigações vincendas – cerca de 30 mil milhões de euros por ano – para ativos emitidos por empresas com um melhor desempenho climático. Tal colocará gradualmente as nossas posições em obrigações de empresas numa trajetória alinhada com o Acordo de Paris e os objetivos de neutralidade climática da UE.
Além disso, limitaremos a percentagem dos ativos de empresas com elevada intensidade carbónica que pode ser apresentado como garantia por um banco quando nos solicita empréstimo. No futuro, restringiremos os ativos de garantia a empresas mutuários que cumpram as normas da UE de comunicação de informações sobre sustentabilidade.
Estas medidas têm dois efeitos: primeiro, reduzem os nossos próprios riscos financeiros relacionados com o clima e, segundo, motivam os emitentes de obrigações a melhorar as suas divulgações e a reduzir as emissões de carbono. Em última análise, tal ajudará a direcionar o capital para o apoio da transição ecológica.
As alterações climáticas também desempenham um papel importante nas nossas atividades de supervisão bancária. Nos últimos anos, começámos a analisar muito mais atentamente o modo como as alterações climáticas afetam os bancos que supervisionamos. Desde que clarificámos as nossas expectativas prudenciais em 2020, temos exortado os bancos a melhorar a forma como gerem e divulgam os riscos climáticos e ambientais.
Neste contexto, concluímos agora um teste de esforço pioneiro, realizado “da base para o topo”, que incidiu sobre o risco climático. Constatámos que três em cada cinco bancos ainda não dispõem de um quadro para a realização restes de esforço centrados no risco climático. Apenas um em cada cinco bancos tem em conta o risco climático na concessão de empréstimo. Além disso, a maioria dos bancos depende, em larga escala, de aproximações para quantificar as emissões dos seus clientes, sendo que, em termos agregados, metade do rendimento dos bancos provém atualmente de grandes emissores de gases com efeito de estufa. Tal poderá ser rentável hoje, mas não o será no futuro. Por conseguinte, não cessaremos de relembrar aos bancos que têm de tomar medidas decisivas, a fim de colmatarem deficiências e se prepararem para a transição atempada para uma economia neutra em termos de carbono, envolvendo estreitamente os seus clientes.
Todos os intervenientes nos mercados financeiros têm de se preparar para a transição ecológica e de fazer face aos riscos dela resultante. O nosso teste de esforço centrado no risco climático prova, uma vez mais, que os bancos devem agir com audácia e urgência para gerir melhor os riscos decorrentes das alterações climáticas. As nossas medidas na esfera da política monetária não só reduzirão a nossa própria exposição a esses riscos, como também encorajarão as empresas e os bancos a serem mais transparentes em relação às suas emissões de carbono – e, em última instância, a reduzi-las.
Estes esforços tornarão o nosso sistema financeiro mais resiliente a crises climáticas e ambientais e assegurarão que esteja mais bem preparado para a transição ecológica. Ainda há muito mais a fazer. Estamos apenas no início de um longo percurso. Embora as medidas do BCE não substituam medidas ambiciosas e decisivas por parte dos governos e parlamentos.