António Melo de Carvalho, natural de Barcouço, Mealhada, hoje coronel reformado e um dos capitães de Abril, que pertenceu à Comissão Coordenadora do Movimento das Forças Armadas em Moçambique, sendo o portador da mensagem elaborada no final da reunião do Monte do Sobral (no Alentejo), em 9 de setembro de 1973, para os capitães que combatiam em Moçambique. Recorde-se que António de Oliveira Salazar era contra a entrega dos territórios aos seus povos, e que, por sua vez, deu origem à celebre frase “Orgulhosamente SÓS”, dita pelo próprio, – quando confrontado com os acordos de paz realizados entre os diversos países para que as colónias fossem libertadas.
O coronel relata-nos as circunstâncias que viveu a meio da primeira comissão na Guiné (em 1969 e 1970). “Houve meses sem guerra. A mensagem verbal recebida da boca do conceituado cor paraquedista Alcino não deixava dúvidas que a partir daquela data o propósito era deixar de fazer operações ofensivas, só patrulhas de reconhecimento. Não podíamos tomar a iniciativa de fazer fogo. E disse-nos que mais tarde viríamos a perceber o que se passava porque não podia responder-nos”.
O 25 de abril tinha de acontecer
Melo de Carvalho, que esteve presente, também, na primeira reunião para a organização da Revolução dos Cravos, em Portugal, e deu conta aos seus militares, que se encontravam em Moçambique a combater na guerra colonial, do que estava a acontecer.
“Eles foram recetivos à notícia, era uma esperança para nós para que acabasse a guerra e pudéssemos evitar os milhares de mortos”. Explica, também, que viviam em ânsia e numa constante “incógnita, pois não sabiam quando ia acontecer”. As informações iam chegando aos militares semanalmente com as reuniões que iam tendo entre jovens oficiais e alguns majores e tenentes-coronéis, em sintonia com o que se estava a passar em Portugal.
A Polícia internacional e de Defesa do Estado (PIDE) sabia das reuniões e já controlava todos os passos do MFA, mas não interferiram com nenhuma delas, apesar de os nomes dos capitães de Abril já estarem na lista dos próximos a deter devido a acções contra o regime. O coronel acredita que “provavelmente alguns deles também queriam que isto acontecesse, mas não se podiam manifestar”.
Melo de Carvalho conta que o 25 de Abril iria acontecer mais tarde ou mais cedo, mas que sem dúvida a guerra foi o principal motivo para a revolução antecipada, pelo facto de “já estarem cansados e quererem que terminasse”. Salienta que, “sem dúvida”, a frase “prefiro uma derrota militar a negociar com terroristas” dita por Marcelo Caetano ao general Spínola, despoletou a antecipação do 25 de Abril”.
A Revolução foi celebrada em Moçambique, que era o país onde a companhia do Coronel Melo de Carvalho estava a combater. Recorda que a notícia foi recebida com grande entusiasmo, mas não se esquecerá da primeira reunião, do MFA, após o feito histórico, em que a célebre canção, que foi utilizada como senha para o 25 de Abril, Grândola Vila Morena, de Zeca Afonso, foi ouvida com grande emoção por todos os presentes.
Conta-nos também que a esposa, que se encontrava na metrópole (como se designava a nação portuguesa) sabia o que ia acontecer, pois tinha conhecimento da presença do capitão nas reuniões de preparação. “Nessa altura já estávamos a ser controlados pela PIDE e a minha esposa tinha de saber o que se estava a passar. Foi uma alegria quando tudo correu como esperado e só gostaria que tivesse sido mais cedo, dada a situação de guerra” – contou o coronel ao Despertar.
“Foi graças ao acto irreflectido (ou não) e inflexível do presidente Marcelo Caetano que se deu o 25 de Abril, porque os capitães viam que não havia outra alternativa para acabar com a guerra” – disse, finalizando, que “era só através de um movimento de força que se conseguiria vencer”.
O 25 de Abril na actualidade
A presença dos valores pelos quais os capitães de Abril lutaram é, segundo o Coronel, “relativa, apesar de ter um saldo positivo e de acreditar que os jovens de hoje vão prezar o 25 de Abril e os seus valores, dando continuidade a tudo o que foi feito para que hoje os cidadãos portugueses tenham liberdade”.
Condecoração pela Ordem da Liberdade
Melo de Carvalho recorda o momento em que foi contactado pelo secretário do Presidente da República, em 2021, para receber a mais honrosa condecoração pela liberdade, que visa distinguir serviços relevantes prestados em defesa dos valores da civilização, em prol da dignificação da pessoa e pela causa da liberdade. “Nem queria acreditar quando me ligaram, porque já alguns camaradas meus tinham sido condecorados e mais ninguém tinha sido chamado. Eu já tinha colocado isso completamente de parte e foi, de facto, com muita alegria que recebi essa condecoração” – refere.
O membro do MFA explica que ter feito parte deste Movimento “foi um grande orgulho”. “Apesar de as coisas não terem corrido muito bem e de a revolução só se ter dado naqueles trâmites”, acredita que “a ditadura iria perdurar no tempo”, se não houvesse a guerra e aquele interromper abrupto das negociações do general Spínola com o PAIGC, assim como a frase dita pelo presidente Marcelo Caetano (“prefiro a derrota militar a negociar com os terroristas”).
O coronel demonstra o seu orgulho em ter participado com afinco naquele feito heróico, rematando que irá “viver o 25 de abril para sempre, mantendo o mesmo sentimento como se estivesse a vivê-lo ano após ano”.