Com o objetivo de reforçar a luta contra a violência de género e proteger as vítimas de forma eficaz e discreta, a União de Freguesias de Santa Clara e Castelo Viegas, em Coimbra, lançou uma iniciativa inovadora: a instalação de caixas estratégicas para denúncias anónimas, nas casas de banho de grandes superfícies da freguesia. Estas caixas, colocadas em locais cuidadosamente escolhidos para garantir acessibilidade e discrição, oferecem às vítimas e testemunhas uma forma segura de relatar abusos sem o risco de exposição.
A medida surge num contexto alarmante. Até 15 de novembro de 2024, 25 mulheres foram assassinadas em Portugal, de acordo com o relatório preliminar do Observatório de Mulheres Assassinadas (OMA), promovido pela União de Mulheres Alternativa e Resposta (UMAR). Este número, semelhante ao registado no mesmo período de 2023, evidencia um agravamento na gravidade dos casos: 20 dos assassinatos deste ano foram classificados como femicídios, um aumento de 33% em relação ao ano passado.
Um cenário preocupante
O relatório da UMAR revela dados perturbadores sobre o perfil das vítimas e agressores, bem como o contexto dos crimes. A maioria das vítimas tinha mais de 36 anos e 14 delas eram mães, com seis tendo filhos menores. Dos 20 femicídios registados, 16 ocorreram em contextos de intimidade, sendo que 12 destes casos envolviam relações atuais e quatro relações terminadas.
Metade dos femicídios podia ter sido evitada, pois já existiam sinais de violência prévia conhecidos por familiares, amigos ou vizinhos. Seis das vítimas tinham apresentado queixas às autoridades, incluindo três casos com ameaças de morte reportadas.
Um passo em direção à mudança
A União de Freguesias de Santa Clara e Castelo Viegas reconhece a urgência de medidas que possam salvar vidas. As caixas de denúncias anónimas são uma ferramenta prática e acessível que possibilita às vítimas um canal direto de comunicação, sem a necessidade de enfrentar os constrangimentos de um contacto presencial ou online.
Estas caixas serão monitorizadas regularmente e as denúncias recolhidas serão encaminhadas para as autoridades competentes, garantindo confidencialidade e uma resposta célere. De referir que uma das denúncias recebidas foi feita por uma aluna da Universidade de Coimbra e diz respeito a assédio por parte de um professor da Instituição.
Desafios na denúncia da violência doméstica
A violência doméstica é um crime público em Portugal, mas os obstáculos para denunciar continuam a ser um desafio significativo. Medos diversos, como o isolamento, o receio de represálias e o desejo de preservar a unidade familiar, especialmente quando há filhos envolvidos, tornam o ato de denunciar extremamente difícil. A falta de confiança nas instituições de apoio e no sistema judicial, além de barreiras materiais como emprego ou alternativas habitacionais, também contribuem para a omissão dos abusos.
O que é violência doméstica?
A violência doméstica pode manifestar-se de várias formas. A violência física inclui agressões como bater, espancar, sufocar ou ferir com objetos. A violência psicológica/ emocional envolve humilhações, insultos e ameaças, enquanto a violência sexual abrange práticas como coacção e abuso sexual não consentido. A violência económica refere-se ao controlo financeiro, como impedir que a vítima trabalhe ou estude, enquanto a perseguição inclui comportamentos como seguir a vítima ou monitorizar as suas comunicações.
O Artigo 152.º do Código Penal Português define a violência doméstica como qualquer ato de maus-tratos físicos ou psíquicos, incluindo ofensas sexuais, contra o cônjuge, ex-cônjuge, companheiro(a), progenitores ou pessoas particularmente indefesas. As penas podem variar de dois a oito anos de prisão, dependendo da gravidade do crime, com agravantes quando os atos resultam em ofensa à integridade física grave ou mesmo morte.
A importância da denúncia e da prevenção
A iniciativa das caixas de denúncias anónimas da União de Freguesias surge como uma resposta direta à necessidade de facilitar o processo de denúncia, sem expor a vítima ao risco de represálias. A ação é um passo importante para garantir que as vítimas possam procurar ajuda de forma segura e confidencial. Além disso, a medida reforça a mensagem de que a violência doméstica deve ser combatida de todas as formas, com o apoio da comunidade e das autoridades.
O papel da comunidade
Além de apoiar as vítimas, esta medida visa encorajar toda a comunidade a desempenhar um papel ativo na identificação e denúncia de situações de abuso. O envolvimento de familiares, vizinhos e amigos pode ser crucial, especialmente em casos onde há sinais de violência contínua.
A iniciativa, que foi elogiada pelo Comandante da PSP de Lisboa, reforça o compromisso da União de Freguesias de Santa Clara e Castelo Viegas em combater a violência de género e apoiar as vítimas, num momento em que os números do OMA/UMAR deixam claro que ainda há muito a fazer para prevenir estes crimes.
Com medidas como esta, espera-se que mais vidas sejam protegidas e que a comunidade se una em torno de um objetivo comum: acabar com a violência de género.