14 de Maio de 2024 | Coimbra
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António Inácio Nogueira

TESTEMUNHOS: Castanhas e Vinho Novo

7 de Dezembro 2023

No início desta semana ao fazer uma arrumação aos meus livros, quase sempre desarrumados e empilhados, encontrei uma pequena antologia, com o título Castanhas e Vinho, cuja organização foi de José Ribeiro Soares, editado em 2011, com a participação do
Rotary Club de Coimbra. Nela encontrei motivos de interesse para compor este meu artigo. A introdução feita por Ribeiro Soares leva-me à memória da importância que o vinho merecia (e ainda merece) nas nossas terras, cuja descoberta a antiguidade clássica, gregos e romanos,
atribuíram a Diónisos ou Baco e o Génesis a Noé. Sem dúvida, ocupa lugar de grande significado quer na economia, quer na vida social, quer na literatura, quer no mito.

O S. Martinho era uma ocasião de magustos. Mas era também a festa do vinho, a data em que se inaugurava o vinho novo, como também era a altura da matança do porco. “A castanha é o fruto dos frutos”, como dizia Miguel Torga, … “assadas, no S. Martinho, serve de lastro à prova do vinho novo. Cozida, no Janeiro glacial, aquece as mãos e boca dos pobres e ricos. Crua, engorda os porcos, com a vossa licença…”

Nas nossas aldeias, vilas, e em algumas cidades mais pequenas, interiores, periféricas e paroquiais das terras beirãs, vivenciei e participei, enquanto jovem, em acontecimentos sociais de que tenho lembranças bem divertidas, onde as castanhas e o vinho novo eram actores principais ( hoje é facto que organizações ligadas às memórias e ao património tentam reanimar o acontecimento). Eram bastantes dias de azáfama social e comunitária. O mau tempo e a quase paragem dos trabalhos agrícolas facilitavam.

“Vai adega e prova o vinho novo” era um adágio popular que incentivava a prova do vinho em todas as adegas da comunidade, grandes e pequenas.

Na aldeia, bem beirã e fria, onde viviam os meus avós, convidavam-se os amigos para a abertura da pipa e a prova do vinho. Um acto cultural, onde nunca faltava o chouriço, presunto, febras, se o dono já tivesse matado o porco, pão de centeio e as imprescindíveis
castanhas assadas. E, assim, se bebiam uns copos no meio do maior alarido e se teciam as «loas» mais primorosas ao vinho provado. Desta forma, um dia numa adega, outro dia noutra, se fazia a volta à comunidade. Dias e dias de saudável convivência social.

O vinho e as castanhas faziam parte integrante do património cultural das comunidades.

Não admira, pois, que os grandes poetas e escritores lhes reservassem espaços privilegiados nas suas escritas.

Por exemplo, Ary dos Santos, fez sobre as castanhas um poema a que deu o nome de O Homem das Castanhas, bem celebrizado e musicado. Aqui reproduzo um pequeno excerto :

(…)

Quem quer quentes e boas, quentinhas?
A estalarem cinzentas, na brasa.
Quem quer quentes e boas, quentinhas?
Quem compra leva mais amor p`ra casa.

Fernando Pessoa escreve poemas e nalguns deles dá voz ao vinho e às suas ressonâncias pessoais, sociais e culturais. Por exemplo:
(…)

Ao goso segue a dôr, e o goso a esta.
Ora o vinho bebemos porque é festa,
Ora o vinho bebemos porque há dôr.
Mas de um e de outro vinho nada resta.

(…)

Se tive amores? Já não sei se os tive.
Quem ontem fui já hoje em mim não vive.

Bebe, que tudo é liquido e embriaga,
E a vida morre enquanto se revive.

Miguel Torga também elabora um poema a que dá o titulo O Vinho:

Sumo das pedras, colorida fonte
Onde Narciso se não pode olhar,
É nela que se tenta embebedar,
Nas horas de mais negro sofrimento,
O pobre e atribulado sentimento

De solidão,
Que vive incompreendido,
E ressentido
em cada coração.

Castanhas e Vinho, qual tradição ancestral, ainda é o tempo de a celebrarmos. Confúcio dizia: “se queres prever o futuro começa por estudar o passado”. E termino com uma frase paradigmática que impregna tudo o que foi dito: “ Eu sou porque eles foram”. É bem verdade, Sara Larcher.

(Se quer saber mais leia o livro já referido: Castanhas e Vinho).

Foto: gettyimage.jpg


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