Manuel Martins, proprietário de uma loja de reparação de calçado na Baixa da cidade de Coimbra, falou com O Despertar sobre aquele que tem sido o seu percurso no comércio e daquilo em que a Baixa se tem vindo a tornar nos últimos anos.
Aos 79 anos, Manuel Martins conta com vários anos de carreira enquanto sapateiro, nunca tendo sido esta a sua profissão de sonho.
Natural de Soure, emigrou para o Rio de Janeiro, no Brasil, com apenas 13 anos. Foi nessa altura que começou a remendar e a reparar calçado, mesmo que o seu coração quisesse seguir estudos de aviação ou de telecomunicações. À medida que o tempo ia passando, Manuel foi ganhando o gosto pela profissão, acabando, mais tarde, por abrir um espaço seu, quando voltou para Portugal.
Coimbrasil: à procura de oportunidades na cidade
Na altura, achou que Coimbra seria uma boa opção para se instalar, uma vez que vinha à procura de oportunidades. Assim, acabou por adquirir a Coimbrasil, como se costuma chamar.
A loja de reparação de calçado, situada na Rua da Loiça, na Baixa citadina, funciona há cerca de 29 anos e, hoje, já não tem o nome afixado na porta, uma vez que, segundo Manuel Martins, passaram a ser pagos impostos sobre a colocação de placas com o nome do estabelecimento comercial, chegando mesmo a afirmar que o culpado da situação é o atual presidente da Câmara Municipal de Coimbra, José Manuel Silva, uma vez que viu na cobrança de impostos “mais uma forma de ganhar dinheiro”. Porém, este não é o único problema do proprietário, nem dos restantes comerciantes da Baixa.
Da bonança à tempestade
De acordo com o proprietário da Coimbrasil, que aponta a falta de estacionamento como principal problema, o comércio nas ruas da Baixa tem vindo a decrescer brutalmente nas últimas décadas.
Para o sapateiro, o comércio nesta zona da cidade começou a decair a partir do momento em que acabaram com o estacionamento do “bota abaixo”, perto da Loja do Cidadão. Isto porque, “nos dias de hoje toda a gente anda de carro”, afirma.
O facto de o estilo de vida e hábitos dos cidadãos se terem alterado nos últimos tempos, são também destacados pelo profissional como um grave problema.
Atualmente, “os negócios na Baixa estão praticamente falidos e, então, com mais impostos para pagar, as coisas têm tendência a piorar”.
Se há 30 anos, o número de reparações era alto, agora, há dias em que a loja não fatura. O comerciante diz que, muitas vezes, não há artigos para reparar e que, mesmo num dia menos mau, o volume de clientes é muito baixo.
Visivelmente desmotivado pela situação, Manuel Martins explica que “nem vale a pena” estar ali.
“Só estou aqui porque não tenho outro sítio. Tanto posso ficar aqui até ao fim do ano, como posso, de repente, ir embora. Sinceramente, isto aqui já não interessa”, confessa, garantindo que, neste momento, a loja é apenas uma forma de ocupação e não fonte de rendimento, visto que, de vez em quando, se cruza com clientes já antigos, com os quais fica à conversa, o que faz com que se vá “passando o tempo”. Já os clientes que recebe para, de facto, consertarem algum artigo, são muito poucos.
Questionado pel’O Despertar acerca da raridade da sua profissão, o sapateiro diz que o trabalho “já não é comum porque é uma profissão que está em fase de extinção há já muito tempo”.
Por estas razões, Manuel Martins pensa abandonar o estabelecimento brevemente, “assim que houver oportunidade”, não tendo certezas de que vai arranjar outro local na cidade que possa satisfazer as suas necessidades enquanto comerciante. O certo é que, segundo o sapateiro, ter um espaço na Baixa “não é adequado para quem quer trabalhar”.
Ao presidente da Câmara Municipal de Coimbra deixa um apelo: que sejam criadas mais zonas de estacionamento para os munícipes, para que lhes seja possível e cómodo visitar mais vezes a Baixa de Coimbra.
Após uma breve reflexão acerca daquilo que era a Baixa antigamente e no que se tornou, garante achar que “a Baixa está cada vez mais ‘baixinha’”.