14 de Novembro de 2024 | Coimbra
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Orlando Fernandes

Semana a Semana: Não têm sentido

16 de Dezembro 2022

Talvez este exercício de história alternativa seja mais lúdico do que útil, mas imaginemos por um instante que nas legislativas de 2015 o PSD e o CDS tinham continuado no poder, resultado para o qual precisavam de apenas mais oito deputado. Chegados a 2019, os dois partidos acumulariam oito anos de governação conjunta. Quem pode apostar que, depois desse tempo todo de união, voltariam a ser dois partidos inteiramente separados? O mais provável é que a coligação Portuga à Frente fosse institucionalizada numa qualquer espécie de plataforma comum. Nesse cenário, Passos e Portas não teriam abandonado as lideranças, Costa não teria sido primeiro-ministro, IL não se ouviria, o Chega e a “geringonça” não existiriam, e o ego inquieto do vereador Ventura, teria sido consolado, mais tarde ou mais cedo, com o lugar de secretário de Estado da Protecção Civil ou das Autarquias Locais.

O que mais impressiona na fragmentação da direita é a sua artificialidade. O eleitorado é muito mais homogéneo do que os partida pensam e tem pouquíssima paciência para a sofisticação das nuances ideológicas. Antes de 2015, ninguém dizia que eram precisos novos partidos à direita. Aliás, em boa parte das principais democracias ocidentais, os grandes partidos do centro-direita albergam confortavelmente todas as sensibilidades que por cá temos espalhadas pelo PSD, IL e CDS, das mais sociais-democratas às mais liberais ou tradicionalistas. O que determinou a fragmentação não foi qualquer razão profunda e estrutural, foi simplesmente, o acaso das circunstâncias a derroa após o período traumático da troika, o sentimento de orfandade e o consequente desnorte estratégico.

Desde que o PS obteve a maioria absoluta, não é possível argumentar, como muita gente argumentou a partir das legislativas de 2019, que a diversidade partidária aumenta a capacidade de a direita conquistar eleitorado. Até ao movimento, de divisão foi mais significativo do que o movimento de conquista. É normal que assim seja: num contexto de competição, o incentivo dos partidos é desgastarem-se uns aos outros tentando mostrar aquilo em que são diferentes e por que razões os outros são servem. Esse instinto de diferenciação tem duas consequências. Primeiro, conduz os partidos ao dogmatismo, ao sectarismo, à contante busca de pureza ideológica. Ou seja, à autodestruição. Foi o que aconteceu ao CDS, é o que pode acontecer à IL, como se vê pelas divisões que esta semana a saída de João Cotrim de Figueiredo destapou. Depois, essa ânsia competitiva impossibilita que haja uma alternativa discernível ao PS. Em 2019 e 2022, qual era o programa que os partidos da direita tinham para apresentar? Não se sabe. Uma vez que nenhum teria maioria sozinho, o programa concreto de governo só seria pormenorizado após as eleições, consoante o peso relativo que cada partido conseguisse obter. A falta de clareza sobre o que aí vinha enviou muito eleitorado para o colo dos socialistas, que pelo menos eram um mal conhecido e previsível.

Para um eleitor da direita, tem sido desconsolador ver nos últimos anos o estado do PSD, um partido e poder com cada vez menos ímpeto, substrato e figuras nacionais, enquanto alguns dos maiores talentos da direita, consagrados ou emergente, se entretém a combater os radicais nas inconsequentes lutas internas de partidos secundários.

História das direitas democráticas europeias, por exemplo em Espanha ou em França, oferece vários exemplos de reconfigurações partidárias de sucesso, promovidas por líderes que souberam ler as oportunidades, antecipar-se à estagnação eleitoral e conquistar maiorias com programas simultaneamente moderados e mobilizadores.

Por cá, tudo depende do que o PSD quiser fazer. Poderá não querer fazer nada, é claro, esperando talvez que “o Chega se modere”. Nesse caso, alguma história alterativa terá de ser escrita.

 

 


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