Coimbra sempre foi, e é ainda para muita gente, uma paixão. Nela não vive muita gente, é verdade, e há cidades onde vivem muitas mais. Mas em poucas moram tantas pessoas como aqui, porque em Coimbra não moram apenas os que nela vivem, moram também muitas e muitas outras que por cá passaram fases da sua vida — e foram milhões atrás de milhões – e tendo partido um dia a levaram consigo no peito e na alma, nela continuando a habitar e dela fazendo casa sua, onde pernoitam, mantendo a saudade que os tempos não extinguem. Coimbra tem essa enorme particularidade, que nem sempre valoriza ou sequer reconhece como o deveria fazer. Porque aqui, nesta cidade universitária, fez-se muita história de Portugal e fez-se a história da vida de muita gente, alguma da qual recorda com infinita saudade as “estórias “aqui vividas. Em Coimbra as esquinas falam, o chão que se pisa é-no familiar, as ruelas escondidas são páginas passadas e foram chão para muitas das pessoas humildes que fizeram da cidade, e sobretudo da sua parte antiga, a sua terra de sempre…
O Rancho de Coimbra é um desses espaços, ali algures na Rua do Moreno, onde até a Coimbra velha não pára de envelhecer. Não que a instituição seja assim tão velha. São apenas 84 anos, portanto jovem seria ainda se por ela não tivessem passado tantas gerações que ali foram dando sentido aos tempos livres da sua vida. O Rancho de Coimbra continua a existir, exactamente no mesmo sítio (Rua do Moreno, nº 15), com a matriz de rebeldia que os tempos nunca corrigem, mas por vezes activam. Mas do Racho de Coimbra actual fá falaremos, vamos primeiro ao Rancho de Coimbra desses outros tempos, onde tantos amores se fizeram à vida, onde paixões marcaram destinos, onde amores proibidos aproveitavam a liberdade da ocasião.
COIMBRA TINHA VÁRIOS ESPAÇOS E ANIMAÇÃO E CONVÍVIO POPULAR
Havia, por esses meados do século passado, várias colectividades que eram espaço de bailes ao fim de semana, sábados à noite/domingos à tarde. O Rancho de Coimbra era um deles. As Patelas, ali ao chegar à Conchada, era outro. Pela Arregaça havia mais, O Coimbra Clube era pela Baixa algures. Frequentados pelas gentes humildes, pelo povo da altura. Mas não apenas. A estudantada sempre fez da rebeldia a sua cartilha do método e, quando pressentia que havia moça linda e jeitosa por um desses bailaricos, não se fazia rogada e aparecia. Para gáudio das moçoilas futricas, para quem o namorar com um “doutor” preenchia o seu imaginário de rapariga humilde. A Coimbra de então, as pessoas da Baixa e dos demais recantos habitacionais por onde a gente humilde se ía fixando, engalanavam-se a si próprios para ir ao baile e às vezes o espaço amplo fazia-se apertado. Porque íam novos e velhos, estes fazendo um pouco de batota pelo meio. Com o pretexto de acompanharem as filhas e assegurar o seu bom comportamento, íam também e uma vez lá dentro não mais se queixavam das dores do reumático de que passavam a semana a lamentar-se. Íam com esse pretexto, mas eram dos últimos a abandonar a pista de dança. Por ali se mantinham noite inteira, com desagrado das filhas que queriam ver os pais pelas costas para que não estivessem a receber constantes recomendações de que o rapaz estava a encostar de mais.
O RANCHO DE COIMBRA ERA CHEIO DE VIDA
Tinha muita vida o Rancho de Coimbra dessa altura. Tinha Bar, tinha salão de baile, tinha rancho folclórico, tinha alma e era, naqueles dias de animação, a “casa” de muita gente da Baixa de Coimbra que por ali passava muitos dos seus tempos de ócio. E tinha outra coisa que o tempo levou, em parte porque se tornou dispensável, mas não tanto como isso. Tinha os banhos para as pessoas humildes, umas porque as casas onde viviam não tinham casas de banho preparadas para isso (a Baixa da altura estava cheia de casos desses), outras porque não tinham nem banho nem casa. E destas últimas, algumas destas pessoas ainda andam por aí. Não as mesmas, mas os herdeiros e continuadores da má fortuna. Essas pessoas íam ali tomar o seu banho, normalmente semanal, e este serviço foi dos últimos a desaparecer. Permitam-nos deixar aqui uma palavra para recordar Carlos Clemente, homem da Baixa e presidente da freguesia de S. Bartolomeu durantes vários anos, que fora anteriormente presidente do Rancho de Coimbra, a quem ouvimos muita vez expressar a sua preocupação e receio de que esses banhos públicos viessem a desaparecer, tão escassos ou nulos eram os apoios recebidos, sabendo como sabia que muitas pessoas iriam ficar sem banho, como acabaram por ficar. O Carlos Clemente está por aí, vivo e refilão como sempre, melhor do que ninguém pode testar esta realidade.
DE PASSO EM PASSO O RANCHO DE COIMBRA JÁ DANÇA
Esse Rancho de Coimbra o tempo foi levando, reduzindo-o ao Bar e ao espaço de convívio que se mantêm embora menos frequentado e onde o jogar às cartas é a animação possível. A pinga, claro, essa também vai havendo, sobretudo aquela vinda do Norte que empurra os petiscos que ao balcão aguardam consolar os que às cartas mais perdem. Sócios do Clube ainda são alguns. Uns trezentos e tal. Mas a pagar andam à volta dos 50. Os restantes são os como os maridos traídos: são, mas não exercem. Se por aí houver gente que gostaria de ajudar a reanimar o Rancho de Coimbra tem aí via aberta: faça-se sócio. Passe por lá (Rua do Moreno, nº 15, repetimos) preencha a ficha, beba um copo e deixe ficar 12 euros. Fica o ano pago.
Esse esforço de reactivação do Rancho de Coimbra está a caminho e vem a ser feito há dois ou três anos. Tanto que … já iremos à novidade.
Manuel Silva é homem do Norte. Veio assentar praça aqui em Coimbra, no CICA 4, já lá vão uns anitos. Regressou ao norte quando calhou. Os anos foram-se passando, a vida foi-se alterando e voltou a Coimbra. Fez-se presidente do Rancho de Coimbra. vê-se que é homem de genica. E tem feito das tripas coração para dar vida, ou mais vida, à instituição. O Bar mantém-se e assegura bom vinho e o mais que vier a calhar; as cartas na sueca continuam a ser 40, se bem que às vezes os trunfos sejam mais que 10 porque há especialistas na multiplicação das cartas. O Rancho quer crescer –aqui vai a novidade atrás prometida – tanto que até já tem um rancho folclórico. Prontinho a actuar e não é tão pequeno quanto isso: 18 pares. Foram há dias dar os primeiros passes a Pombal e para a semana farão a sua apresentação a Coimbra: dia 16, ali no Terreiro da Erva, tendo como convidados um rancho de Pombal e outro do Alentejo. Coimbra tem obrigação de aparecer, apoiando e aplaudindo. Se a uns não doem os pés, a outros não podem doer as mãos para bater palmas. Às 20 horas, no Terreiro da Erva. Não esqueçam.
Combinado?