12 de Dezembro de 2024 | Coimbra
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ORLANDO FERNANDES

Pontos de Vista – A recuperação da economia

11 de Dezembro 2020

A crise económica provocada pela pandemia aumentou algumas dimensões da desigualdade. Os trabalhadores cujos empregos requerem contacto físico (lojistas, dentista…) deixaram de poder trabalhar, enquanto quem consegue trabalhar a partir de casa (programadores, escritores…) continuou sem grande quebra de produtividade.

Igualmente marcante terá sido o agravamento das desigualdades de género. Havia um emergente consenso na literatura científica sobre grande parte da diferença de salário entre homens e mulheres estar associada ao maior “fardo” que elas carregam a prestar cuidados aos outros membros da família.

Sobretudo os primeiros dois anos das crianças levam a uma redução permanente no rendimento das mães. Os poucos dados que já temos mostram que, durante o confinamento, foram as mulheres que desproporcionalmente trabalharam menos para cuidar das crianças em casa, o que terá efeitos permanentes na desigualdade de rendimentos.

Já no que diz respeito à recuperação da economia portuguesa, uma desigualdade que provavelmente estará nas primeiras páginas em 2021, é a que existe entre trabalhadores do setor privado e funcionários públicos, no que diz respeito à probabilidade de perder o emprego.

É assim em que todas as recessões em Portugal, e esta não será exceção. O ritmo a que a economia vai recuperar irá depender da rapidez com que algumas empresas vão fechar por causa das perdas durante 2020, e outras vão abrir no seu lugar para tomar partido dos novos padrões de consumo ou métodos de trabalho. Talvez isto seja mais difícil desta vez, sobretudo se houver grandes mudanças de longo prazo na estrutura da economia, mas o processo não será muito diferente do habitual.

A recessão da pandemia traz no entanto uma grande novidade. Os dados de inquéritos ao rendimento e ao consumo nos EUA e no Reino Unido mostram um padrão extraordinário entre abril e junho.

As perdas de rendimento privado foram maiores para os mais pobres, pois eles tendem a ter empregos de contacto físico com o cliente que foram mais afetados pelo confinamento. Mas graças aos apoios dos Governos, o seu rendimento total não caiu tanto. O pouco que estas pessoas poupavam desapareceu, e elas pediram emprestado, pelo que o seu consumo e bem-estar não sofreu grande alteração.

A taxa de poupança para quem ganha pouco (menos de 20 mil libras brutos por ano no Reino Unido) caiu cerca de 12 pontos percentuais (e tornou-se negativa).

No outro estremo da distribuição estão os que ganham mais de 55 mil libras por ano. Os seus rendimentos do trabalho caíam menos, porque poucos deles perderam o emprego e eles conseguiram fazer grande parte do seu trabalho a partir de casa.

Eles receberam pouco apoio do Estado, pelo que a quebra percentual de rendimento líquido, depois de transferências, não foi muito diferente em relação aos mais pobres. Mas, os mais ricos cortaram as suas despesas de forma abrupta.

O aumento na taxa de poupança dos ricos foi 20 pontos percentuais, um número nunca visto. Embora não existam dados semelhantes para Portugal, a taxa de poupança dos agregados familiares como um todo subiu no nosso país, tal como no Reino Unido. Provavelmente, foram novamente os ricos os responsáveis.

Os ricos em parte pouparam mais porque aquilo em que gastam o seu dinheiro deixou de estar acessível. Comer fora, ir a espetáculos ou viajar ao estrangeiro foi impossível. Renovar o guarda-roupa deixou de valer a pena quando não havia eventos sociais para ir, e comprar um novo carro era inútil quando se estava fechado em casa.

Noutra parte, os ricos pouparam mais porque estão com medo do futuro e querem aumentar o seu pé-de-meia para o caso de ficarem doentes, de a recessão ser prolongada ou de as mudanças estruturais afetarem os seus empregos.

Se o primeiro fator foi o mais importante, então devíamos ver um grande aumento do consumo entre junho e agosto, quando o confinamento foi levantado. As despesas do segundo trimestre terão sido adiadas, mas não esquecidas. Mesmo que os rendimentos demorem mais alguns trimestres a recuperar, a recuperação na despesa dos ricos faria desta recessão um episódio normal, se bem que mais intenso.

Já se o aumento da poupança foi voluntária, então ele irá persistir, porque continua a haver muita incerteza em relação ao futuro. Nesse caso, com tantas poupanças e com as taxas de juro sem poderem descer muito para baixo de zero, vai haver um excesso de poupanças em relação às possibilidades de investimento.

Isto traduz-se numa falta de procura agregada na economia, em que as empresas não consegue, vender os seus produtos, e as pessoas não conseguem achar investimentos arriscados rentáveis. Assim aconteceu na Grande Depressão dos anos 30. A resposta na altura foi aumentar a despesa pública, contraponto à poupança privada o défice público.

Mas, em 2020, depois de décadas de acumulação de dívida pública, Estados como o português têm pouco espaço em termos de receitas fiscais futuras para suportar ainda mais dívida. Por isso, a recuperação da economia depende do que vão fazer os mais ricos com o dinheiro que guardaram no bolso nos últimos meses.


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