Usando apenas a voz e o contrabaixo, o músico Miguel Calhaz tem feito várias reinterpretações de temas de alguns dos maiores cantores de abril. Depois do bem sucedido volume 1 de “ContraCantos”, o compositor lançou, no final de março, “ContraCantos Vol.2”. No álbum, são homenageados cinco cantautores que, há cinquenta anos, fizeram a diferença no país: José Afonso, Fausto Bordalo Dias, Adriano Correia de Oliveira, Sérgio Godinho e José Mário Branco.
“A obra destes autores configura, para mim, um grande tesouro da nossa música e do nosso cancioneiro. Para além de terem canções de protesto, também têm poemas que evocam paisagens lindíssimas e sonoridades muito aliciantes”, sublinha Miguel Calhaz, em declarações ao “O Despertar”.
Nesse sentido, o músico encara este novo álbum como uma forma de homenagear e manter viva a memória musical destes cantautores. “É preservar os nossos valores e os nossos direitos mais fundamentais: o viver democraticamente e em liberdade. (…) Acho que estamos numa fase em que esses valores parecem esquecidos ou amordaçados e, por isso, precisam de ser relembrados”, confessa.
Miguel Calhaz recorda que os cinco cantores de abril destacados em “ContraCantos Vol.2” marcaram a sua juventude, classificando-os como os seus “heróis de referência” em relação à música nacional. “Desde muito cedo, me debrucei sobre a obra deles. Comecei a transcrever as canções, a cantá-las e a adaptá-las para o contrabaixo”, conta.
Cada um com uma vasta obra, o músico não tem dúvidas de que mergulhar nos seus espólios constitui uma permanente descoberta. Nesse sentido, foi necessária harmonia para definir os temas que integram o novo álbum. “Há sempre esse processo de equilíbrio entre as canções mais conhecidas e, outras, que não são tão conhecidas mas que merecem vir ao de cima e serem redescobertas”, salienta.
Objetivo é “divulgar a obra destes mestres”
Apesar de não ter sido fácil selecionar as onze canções que compõem o “ContraCantos Vol.2”, Miguel Calhaz sempre soube que algumas delas eram “obrigatórias” por serem identificativas da personalidade dos respetivos autores. Nessa lista configuram: “A noite passada”, de Sérgio Godinho”; “Lembra-me um sonho lindo”, de Fausto Bordalo Dias (o tema de apresentação do álbum); “Queixa das almas jovens censuradas”, de José Mário Branco; e “Elogio do artesão”, de Sérgio Godinho.
Com estas reinterpretações, o músico pretende “divulgar a obra destes mestres” tal como o fez, no ano passado, quando editou o primeiro volume de “ContraCantos”. Na altura, o artista deu vários concertos no país e ainda chegou a 16 escolas de Coimbra. A recetividade não podia ter sido mais positiva e é esperado o mesmo para este novo disco. “É gratificante ver a reação das pessoas que não se esquecem da obra destes cantautores”, salienta.
A cantiga como arma
Além de músico e compositor, Miguel Calhaz é professor do Curso Profissional de Jazz e da Orquestra Geração no Conservatório de Música de Coimbra, desde 2013. A experiência que traz na bagagem tem-lhe provado que a junção da Arte com o ensino dá frutos. “Eu constato que é muito bom ver como a Arte transforma as pessoas, e o ensino é um palco privilegiado para dar a conhecer essa Arte. A meu ver, é por aí que se começa a despertar o ‘bichinho’”, reconhece.
Com alunos das faixas etárias mais baixas, até à idade adulta, o docente admite que, cada vez mais, os jovens se interessam pela história do 25 de abril de 1974. “Eles só não gostam daquilo que não conhecem. Quando as coisas lhes são apresentadas de uma forma concisa, honesta e justa, eles interessam-se bastante”, afirma, acrescentando que a vontade de conhecer o passado se estende à música. “Há muitos [jovens] que valorizam, sobretudo, a qualidade da música que se fazia naquela altura. Tenho alunos de 15/16 anos que me dizem que nos anos 70 e 80 se fazia muito boa música”, completa.
Para o músico natural da Sertã, chegar às crianças e jovens é uma forma de preparar o futuro, já que 50 anos após o 25 de abril continua a ser importante lutar, diariamente, pela liberdade. “É mesmo fundamental continuar a defender estes valores por uma questão de justiça, de igualdade e de respeito pelo outro” alerta.
Um apelo que se materializa em “ContraCantos Vol.2”, afinal, como cantava José Mário Branco, a cantiga pode mesmo ser uma arma. “A mais poderosa. Para mim, a música continuará sempre a ser uma arma; a minha arma”, conclui Miguel Calhaz.