Começou no mês início de janeiro e prolonga-se até junho. O projeto “Leituras ao Domicílio” leva a literatura àqueles que, por diferentes motivos, não saem de casa. A iniciativa nasce de uma parceria entre o Teatrão e o Serviço de Apoio Domiciliário da Cáritas de Coimbra, e ambiciona chegar a 42 pessoas.
Integradas no espetáculo “Constantino, Guardador de Sonhos”, – a nova criação do Teatrão -, as “Leituras ao Domicílio” vão a casa dos utentes, uma vez por semana, em datas acordadas com os participantes e com a Cáritas. A atividade tem a duração de seis meses e teve como ponto de partida a companhia profissional de teatro de Coimbra.
“Eu sabia da existência do apoio domiciliário da Cáritas e, portanto, o que eu fiz foi desafiá-los a pensar neste projeto e foi, a partir daí, que esta ideia se construiu”, conta Isabel Craveiro, diretora artística do Teatrão, em declarações ao “O Despertar”. O propósito é simples: chegar perto daqueles que, pelos mais variados motivos, não se conseguem deslocar para aceder a atividades culturais. “A mediação e proximidade com os públicos é, para nós, muito importante. Isto com todos os públicos: com aqueles que são mais fáceis de atingir e com aqueles que são mais difíceis de conquistar”, acrescenta a responsável.
Do lado da Cáritas de Coimbra, foi fácil aceitar o desafio, sobretudo, depois de avaliadas as mais-valias da iniciativa. “Não é só a questão da leitura, mas também de dar a conhecer a realidade dos nossos adultos mais velhos que se encontram sozinhos”, expõe Sónia Lopes, assistente social e responsável pelo projeto da parte da Cáritas.
Encontro entre gerações
As “Leituras ao Domicílio” são sempre realizadas em duplas de leitores. Nesse sentido, até ao final de novembro, o Teatrão recolheu inscrições de voluntários para o projeto, sendo que o número alcançado superou a expectativas. No total, foram 142 pessoas, de idades diversas. “Bastantes pessoas já aposentadas e, outras, em idade ativa. Houve também um número considerável, – e muito maior do que o esperado -, de alunos universitários”, revela Isabel Craveiro.
Após o fecho das candidaturas, os voluntários passaram por uma formação, que decorreu na Oficina Municipal de Teatro. O processo envolveu “questões de leitura e do que é ler em voz alta; ler para alguém que pode ter problemas de concentração e de audição”, afirma a responsável.
Além disso, o facto da casa de cada utente ser um sítio íntimo cria, inicialmente, alguma estranheza. Por isso, foram criadas duplas de voluntários para procederem às visitas. “Sobretudo, para se aproximarem e se apoiarem mutuamente, não só na leitura, mas na criação de uma relação com estas pessoas que não conhecem”, salienta a diretora artística do Teatrão.
Tendo em conta as diferentes faixas etárias dos voluntários, para além de diminuir o sentimento de solidão dos utentes, as “Leituras ao Domicílio” também promovem um encontro entre gerações. Uma realidade que, de acordo com Sónia Lopes, será muito enriquecedora para ambas as partes. “Fiquei muito feliz por termos inscritos mais jovens, porque, normalmente, nestas dinâmicas, aparecem sempre os mais velhos. Este misto de idades é maravilhoso”, sublinha.
Objetivo é chegar a 42 casas
A forte procura por parte da população para integrar o projeto é, na opinião de Isabel Craveiro, a prova de que “a realidade é muito mais positiva do que, muitas vezes, imaginamos”. É ainda revelador do poder da Cultura e do modo como esta pode ajudar a que diferentes grupos se encontrem. “É um sinal de que as pessoas precisam todas de proximidade e de encontros, independentemente da idade. É disso que estamos a falar: de experiências que contribuam para que nós achemos que o mundo vale a pena”, realça Isabel Craveiro.
O Teatrão e a Cáritas de Coimbra estão, atualmente, focadas em levar as “Leituras ao Domicílio” a 42 casas. Contudo, o trajeto não está a ser fácil, já que muitos utentes ainda se mostram hesitantes em abrir as portas do seu lar. “Eles acham o projeto bastante interessante, mas há sempre aquela questão de abrir a porta a quem não conhecem (…) mas é compreensível. Isto vai ser um trabalho bastante longo”, confessa Sónia Lopes.
Deste modo, Isabel Craveiro adianta que “algumas pessoas já disseram que sim”, motivo pelo qual “começámos primeiro por essas”. Entretanto, “vamos continuar a trabalhar para que as restantes adiram a esta iniciativa”, garante. A diretora artística do Teatrão não esquece que esta é uma atividade que “estamos a fazer de raiz e, portanto, estamos a experimentar. Há muito espaço para aprender e melhorar”.
Até ao verão, são muitas as leituras que vão tocar à campainha dos conimbricenses, na certeza de que este é um percurso que só é possível graças à união entre o Teatrão e a Cáritas. “Inventámos esta forma de os utentes terem uma atividade cultural regular em que sintam que participam. É o início de uma nova experiência, de um novo sítio”, frisa Isabel Craveiro.
Por outro lado, Sónia Lopes agradece esta parceria e alerta para o facto do serviço de apoio domiciliário ter sido sempre “um bocadinho esquecido”. A assistente social confidencia, assim, que “o Teatrão tem-nos ajudado a ter outra visão. Ver a reação dos utentes é dizer que o Teatrão também já pertence à Cáritas” conclui.