O país vai dando novos gritos de liberdade, com que se ateia de novo ao mundo depois de tempos afónicos e enclausurados. O movimento vai-se retomando, dando chão a uma humanidade que em parte se converteu a novos hábitos. Qualquer quadro comum que afete os povos, neles deixa marca. Os cenários transformam as sociedades, ora as alertam, ora as transtornam, servindo sempre de “abre olhos” para o entendimento do verbo viver.
O silêncio é tão necessário como o oxigénio, na sua dose, na sua qualidade. Respiro os dois elementos no mesmo impulso, constante e duradouro, como duas dádivas essenciais à vida. Mas o silêncio também fere, sim quando é munido ao mínimo decibel, sem chilrear de pássaros, sem correr de água, sem danças de vento, sem o latir de um cão. Nos últimos tempos houve momentos assim, tal como há lugares assim. Sei que também os sentiram. Nesses instantes estavam à secretária os romances de Agustina, os rebanhos de palavras de Caeiro, as montanhas de Aquilino, procurando ir ao encontro de outras paisagens e sons. Os livros lá continuam, pois, entretanto, as plantas deram fruto e a rotina das colheitas levou dias.
A folhagem vai agora forrando os solos à medida que a nudez se intensifica, ficando nas plantas a esperança de um repouso merecido. As copas dos castanheiros são agora os templos mais venerados, impondo-se pelas faldas destas serras em tons outonais e espinhosos de onde as castanhas saltam como aquénios de ouro. Os dióspiros e as romãs aguentam nos pomares, enquanto as figueiras já despidas, ainda sustentam aqueles figos vindimos que ninguém quis.
Como quem emerge de toda a teia que rodeia a urbe o silêncio vai-se perdendo aproximando-me ao frenesim da maquinaria que envolve a cidade. Um estaleiro moroso que não sei se imprime inovação, renovação, ou simplesmente política, diria que neste país é algo normal. O ruído acompanha os passos. Atravessar um jardim é agora pisar um terraço de folhas, numa simples poética, um mero alívio da inquietação dos dias. Mais do que nunca afirmo que não há cidades felizes sem jardins, sem essa natureza que se desfruta e acompanha, agora autênticos postais de outono.
A estação parece saudar de novo punhados de gente. Entro no comboio e entrego-me à viagem. As portas fecham depois do fumo de um assador de castanhas se ter difundido pelo comboio num aroma leve, mas decifrável. Um homem lê o jornal. Como quem espreita, reparo na capa a bold algo alusivo ao centenário da “Seara Nova”. Vejo que a literatura em tudo me acompanha os dias, e felizmente vejo que a cultura anda por aí.
Domina-me uma prosa que me passa pela janela da carruagem. As horas passam e o dia chega mesmo a entrar numa poesia breve e direta, quando observo e toco as plantas procurando entendê-las, quando as chamo pelo nome vulgar ou pela sua nomenclatura em latim que torna o ambiente mais lírico para o amante das palavras, mais científico para o agrónomo ou biólogo. Depressa me dou a dar resposta a um produtor que esperava por mim em campo. A preocupação de quem cultiva, deve preocupar sempre o consultor. “Ainda diz o Senhor Engenheiro que as plantas falam!…” Bem sei que o Senhor está no céu e que a engenharia é pertinaz no respeito, mas dispensei logo tais mordomias, pois vi-me tão preocupado como este lavrador que logo me senti no lugar dele. O futuro traz-nos muitos desafios, mudanças que já se conhecem. Mas como as plantas falam, recomendei-lhe a solução, como um oftalmologista me recomenda o Sol para os problemas de visão.
Tudo isto faz parte do romance dos dias curtos. Sim, porque os dias são sempre pequenos, feitos do dia a dia, das pequenas e grandes coisas que desejam sempre mais tempo para se realizar.