Nas minhas digressões pelas livrarias, encontrei um livro escrito por Possidónio Cachapa, escritor, professor e realizador. Doutorado em Ciências da Comunicação a sua vasta obra está traduzida em vários países: romances, contos, livros de crónicas e argumentos de longas e curtas-metragens.
O título do livro, A Selva Dentro de Casa, sobressaltou-me e temi que tivesse alguma coisa a ver comigo. Folheei e verifiquei que na realidade tinha.
Permaneci na guerra colonial vários anos, em serviço militar obrigatório. Estive na Guiné e em Angola, e nos dois teatros de hostilidades, para além das condições adversas porque tive de passar, ouvi o ribombar dos canhões e o «costureirar» das metralhadoras. Na Guiné quase todas as noites.
Enquanto isto, deixei na designada Metrópole mulher, filha e pais.
Sem me alongar em detalhes, sei que não cheguei igual ao que era, com todas as consequências inerentes. Parece que tinha chegado com a selva por dentro. E como não há palavras para descrever o inferno, há dificuldade em descobrir o discernimento.
Comecei, então a ler o livro, sofregamente. É de tendência autobiográfica. Conta-nos pela voz de uma criança, a história de um homem jovem que é enviado para a guerra colonial. Este romance tenta iluminar o mistério do que se passou com milhares de jovens portugueses arrancados às suas casas e atirados para um lugar desconhecido, no empreendimento de defender o que restava do sonho de um império.
Os que sobreviveram regressam diferentes, com a mata dentro de si, diz o autor, e passaram (muitos) o resto das suas vidas a tentar resgatar a pessoa que um dia foram.
E quem hoje quer saber disto?
Ao dar voz ao que esses homens nunca verbalizaram, esta narrativa pode contribuir para que se compreendam as causas do trauma.
Quem compreende hoje? Quem lhe dá valor? Quem hoje quer saber disto?
Chocante mas ao mesmo tempo repleto de ternura, eis um romance que me prendeu, desesperadamente, ao seu discurso.
Voz especial de um grande escritor. PONTO.