Há dias, o meu amigo Olivar, que conheci e de quem fiquei amigo quando era assíduo frequentador do Café Santa Cruz, comunicou-me triste e com a voz embargada a morte do Dr. Nuno Malaca, o nosso Malaca. Fiquei estarrecido, desgostoso, olhos pregados no chão, dada a ligação mantida com o Homem que nos havia deixado.
O Malaca foi um estudioso perfeccionista de matérias várias e distinto professor de Matemática, factos conjugados que o transformavam num homem profundamente culto. Os seus conhecimentos abrangentes permitiam-lhe discutir política, filosofia, história, literatura, todos com desenvoltura. Era um autodidata perfeito, daqueles que rareiam nas hostes culturais portuguesa.
Fui seu colega na Escola Secundária D. Duarte, já lá vão muitos anos, numa altura em que desempenhava o cargo de presidente do Conselho Diretivo desta instituição e tal cargo privilegiou-me um contacto próximo com este pedagogo, conhecedor profundo da arte matemática, ao mesmo tempo que apreciei o seu carácter íntegro.
Malaca tal como Cícero, temia o homem de um só livro. Na realidade, de que serviria saber muita matemática se nada se sabe da origem do parlamentarismo, da reforma do racionalismo, da revolução francesa, do nacionalismo, das duas guerras mundiais, do holocausto e do gulag, do liberalismo, da primeira república, do estado novo, do colonialismo, da guerra colonial e do 25 de Abril. E ainda, se não se conhece Galileu, Rousseau, Voltaire, Arquimedes. E se não se leu nada dos nossos grandes escritores, como Aquilino Ribeiro, Fernando Pessoa, Luís Vaz de Camões, Florbela Espanca, José Saramago, Fernando Namora, Miguel Torga, Ferreira de Castro e tantos, tantos outros.
Era por isso que o Malaca, agora reformado, quando vinha a Coimbra era sempre acompanhado da sua pasta velhinha, onde tanto se podia encontrar – desde um livro antigo de poesia (até porque era frequentador assíduo de alfarrabistas e livrarias), até ao mais recente manual de Matemática. Aliás, quem fosse a Alcanhões, a sua terra natal, podia espraiar-se pela sua vasta biblioteca.
Malaca lia e sabia, era bom homem, bom conversador e frequentador de tertúlias. Conheceu, como ninguém, a Alta e a Baixa de Coimbra e as suas gentes, com quem mantinha laços de benquerença.
O Malaca era meu amigo e preocupava-se com as minhas doenças. Quando se deslocava ao Café Santa Cruz ia sempre à mesa do fundo, sabendo que ali era o meu poiso.
Ninguém se lembrou dele. Ninguém escreveu duas linhas sobre ele. A ingratidão dos homens!…
Eu não te esqueço Malaca. Adeus, até sempre.