Seriam estes dias de romagem à cidade do Mondego, que ao romper de julho festeja a sua padroeira, a Rainha que do pão encheu o regaço de rosas. Entre os vastos costumes das gentes de Coimbra e seus arrabaldes em honrosos e tamanhos festejos salientam-se as várias manifestações sagradas e profanas, que em parte chegaram aos nossos dias.
As tradições de um povo fluem à vontade dos tempos. “Tudo o que nasce tem um fim” e as manifestações populares sofrem ao ritmo da evolução social e tecnológica, ora se renovam em novos moldes ou extinguem-se por completo, ficando apenas na memória das gentes e nos registos mais variados, que são por vezes a única lembrança. Há muito que o povo de Coimbra e seus vizinhos honram Isabel de Aragão em majestosas procissões e penitências. Não só o povo da urbe rumava ao terreiro de Santa Clara em novenas que se faziam já numa herança de fé, essa crença e apego à Santa Rainha que trazia gente das planuras do Mondego em profundas promessas. Ao longe, na sua procissão da noite, em que a cidade tricotada de luzes e de colchas estendidas, saudava majestoso andor com “foguetes de lágrimas” à entrada da cidade, espetáculo que o povo das ribas do Mondego, como no alto do Senhor da Serra, assistia pela noite dentro nos penedos e pontos mais altos, incorporando-se assim no mesmo movimento de fé e espanto.
Mas nem tudo eram vésperas e homilias, ressalvando outras manifestações bem ao jeito do povo de Coimbra.
A “Serenata à Rainha Santa” remonta já ao século XIX, tendo sido realizada anualmente entre 1886 e 1930. Entre estes anos por vários motivos não se terá realizado seguidamente, como em julho de 1898 que segundo o periódico “Resistência” não se realizou, “(…) que a seca do rio não deixou organizar”. Fazem mote a esta noite de baladas, marchas e canções os jornais da época, descrevendo tão bem esta tradição que se perdeu nos seus traços originais e que tanta graça dava às águas do Mondego. Noites em que a cidade cantava à sua Rainha numa conjunção de melodias e cores em que o povo participava como seu interveniente e apreciador. Ranchos de gente juntavam-se assim para uma “serenata fluvial” sobre o leito do Mondego, servindo-lhe de tabuado as barcas serranas que em tempos faziam deste rio a sua estrada. Foi destas serenatas preparadas e ensaiadas por instrumentistas e compositores como José Neves Elyzeu, Abel Elyseu e Henrique Martins, que se deu origem às ditas “serenatas futricas”, características desta cidade. “Serenatas” em Coimbra não se resumem só ao “fado de Coimbra”, diria que as serenatas populares coimbrãs como tal, deveriam ser valorizadas e divulgadas como uma parte da “Canção de Coimbra” como tão importantes que são na cultura popular da cidade dos estudantes.
“Realisou-se (…) a grande serenata projectada em honra da R.Santa Isabel. Seriam 8 horas e já toda a larga tira do caes que vai da Portagem à Estação (…) se achava apinhada de gente. Pouco a pouco se foi enchendo a estrada da beira, a Couraça de Lisboa e a Ponte. À hora em que os barcos apareceram lá ao longe (…) é impossível dar ideia do aspeto que oferecia a ponte e todo o caes cobertos de povo. Os barcos vieram descendo de manso (…) Vinham todos iluminados. (…) De súbito daquela cidadela de luzes, subiu um enorme bouquet de foguetes, que se abriu no ar em leque. Era um deslumbramento.” (in, Tribuno Popular, 11/7/1888)
Imaginemos o Mondego palco de espetáculos como este, em que as suas margens e os lugares mais cimeiros da Lusa Atenas se enchiam para escutar estas maravilhosas canções, iluminadas de candeias que reluziam o rio de luz, envoltas de vozes e instrumentos que soavam pelo rio abaixo desde a “Lapa dos poetas”. Integrada durante as festas da Rainha Santa, assim era feita a serenata em sua honra, no entanto chegaram mesmo a fazer-se por outras ocasiões como em despedidas de cursos da velha academia ou por vontade do povo.