22 de Abril de 2025 | Coimbra
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ORLANDO FERNANDES

Pontos de vista: Sem reforma eleitoral

18 de Março 2022

O adiamento da reforma eleitoral em Portugal tornou-se um folhetim interminável. Aliás, já se fala no assunto desde o longínquo ano de 1901, quando o então primeiro-ministro Hintze Ribeiro aprovou uma nova lei eleitoral que abolia os círculos uninominais (ou seja, a eleição direta dos deputados) e instituía um sistema muito similar ao que existe hoje.

Foi apelidado de “ignóbil porcaria”, mas o certo é que foi mantido pelos republicanos que tanto o criticaram, e depois novamente colocado em prática pelos supostos democratas a partir de 1974. Cento e dezoito anos depois, ainda andamos a ver se nos deixam votar de forma direta nos deputados e tudo indica que, mesmo com figuras da sociedade civil como José Ribeiro e Castro e Henrique Neto a liderar uma campanha em prol da reforma, ela não vai acontecer.

Em ano de eleições legislativas, com as calculadoras na mão e as estratégias partidárias em movimento, o que é pouco falado é o facto de esta “ignóbil porcaria” que teima em se manter ter levado a que Portugal tenha o pior sistema eleitoral da Europa.

Apesar de os cidadãos irem às urnas com a ideia e que vão eleger deputados, tal não é realidade. Os deputados já foram eleitos há meses pelas lideranças partidárias, os portugueses só vão decidir quantos deles é que vão para a Assembleia.

O atual sistema de eleger deputados é reconhecido como sendo indireto e muito pouco democrático, e apenas o Bloco de Esquerda e o Partido Comunista, fiéis crentes na “democracia soviética”, não concordam de todo com a abolição desta “ignóbil porcaria”. Mas o Partido Socialista e Partido Social Democrata colocaram nos seus respetivos programas a alteração ao sistema eleitoral, o que supostamente daria alguma esperança. Mas aguarde sentado que algum dos dois faça algo.

Os dois maiores partidos andam há duas décadas a discutir o assunto, mas nunca avançaram. Antes das legislativas de 2015, tanto António Costa como Pedro Passos Coelho expressaram vontade de reformar o sistema eleitoral, mas não deu em nada. Antes disso, Passos Coelho e António José Seguro também concordavam um com o outro, e até prometiam reduzir o número de deputados.

O PS chegou a aprovar em 2011 um programa intitulado “O novo rumo para cumprir Portugal” – em que propunha uma alteração de fundo na lei eleitoral para a Assembleia da República.

Nessa moção, na qual Seguro garantia ter chegado o tempo de “ousar” e “renovar”, o líder dos socialistas dizia claramente que os eleitores devem, poder “escolher o seu deputado”.

Nesse ano, a promessa da reforma eleitoral também constava no programa do PSD, tal como em 2015, tal como este ano.

Portanto, resumindo, PS e PSD estão de acordo, mas nenhum dos dois arrisca avançar com a reforma por causa das enormes resistências corporativas. É por essa razão que nos últimos anos a valsa se repete: um dos partidos do “centrão” pede a reforma eleitoral quando está na oposição, enquanto o outro, dependente de coligação com partidos mais pequenos, afirma que “não é o momento ideal” – como agora sucede com o PS, refém dos comunista e bloquistas.

Claro que ao observador incauto pode parecer que o Partido Socialista finalmente está pronto para avançar quando diz no seu programa que pretende “reformar o sistema eleitoral para a Assembleia da República, introduzindo círculos uninominais, sem prejuízo da adoção de mecanismos que garantam a proporcionalidade da representação partidária, promovendo o reforço da personalização dos mandatos e da responsabilização dos eleitos”.

Mas, infelizmente, esta promessa foi copiada, palavra por palavra, do programa eleitoral de 2015, sem que Costa alguma vez tenha colocado a reforma em curso. Aliás António Costa promete esta reforma desde o longínquo ano de 1998, quando era ministro dos Assuntos Parlamentares, sem que tenha qualquer progresso na questão.

Do lado social-democrata, Rui Rio também colocou novamente a promessa da reforma eleitoral no seu programa, mas o líder do PSD não parece saber bem o que quer. Aliás, Rio consegue prometer a redução do número de depurados (um feito que apenas Cavaco Silva conseguiu), a eleição de depurados a representar a abstenção e os votos em branco (uma ideia amplamente ridicularizada pela sociedade) e também mandatos ainda mais longos para os parlamentares.

No meio desta mixórdia de ideias, é pouco claro que Rio esteja preparado para fazer qualquer uma delas avançar.

Infelizmente, qualquer projeto de reforma das leis eleitorais enfrenta enormes obstáculos. Os pequenos partidos suspeitam sempre dos projetos dos partidos do “centrão”. A adoção de um sistema que responda mais fielmente à vontade popular significa que poderão entrar partidos adicionais na Assembleia da República, colocando em causa a tão desejada estabilidade a qualquer custo que a UE quer impor aos portugueses.

E, claro, os aparelhos partidários dificilmente irão aceitar uma proposta que possa reduzir o seu poder de colocar nas listas “amigos” e “compadres” que procuram o tão desejado tacho público.

Não há como ignorar que a “ignóbil porcaria” é para continuar, prometam os políticos aquilo que prometerem. A democracia continua refém dos políticos.


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