João Pinho
Cumpre-se, no próximo dia 22, uma década sobre a data histórica em que parte substancial de Coimbra foi reconhecida como Património Mundial da Humanidade: a Alta e Sofia tornaram-se valores excecionais à escala global.
A área do bem classificado corresponde a quatro momentos da evolução histórica de uma das mais antigas universidades europeias e mundiais, a única no universo português até 1911, se excetuarmos o período entre 1559-1759 em que coexistiu com a Universidade de Évora.
De acordo com a classificação, ou selo atribuído a Coimbra, os momentos e espaços salvaguardados foram:
– Paço das Escolas, o coração de toda a instituição, com memórias e vestígios, quer islâmicos, quer da 1.ª Dinastia do Reino de Portugal;
– Colégios religiosos da Rua da Sofia: onde a história da Universidade em Coimbra se inicia ao ser definitivamente instalada em Coimbra;
– A Reforma Pombalina, marca de transformação e evolução do conhecimento no século XVIII com a reestruturação de estruturas.
– Os edifícios do Estado Novo com toda a nova fácies que fornece à Alta da cidade de Coimbra.
Na exaltação deste reduzido núcleo, não deixa de ser curioso que a obra do Estado Novo, tão criticada por diversos sectores sociais, muito por força da destruição da velha alta coimbrã, tenha, afinal, contribuído para o estatuto há muito desejado.
Para além dos critérios no qual a candidatura vinha fundamentada, e que tinham que ver sobretudo com o valor patrimonial do conjunto de edifícios, foi acrescentado um terceiro critério, pelo qual se reconheceu a Universidade de Coimbra como símbolo de uma cultura e língua que é portuguesa e que teve impacto na humanidade, ajudando a modelar o mundo como o conhecemos.
Por outro lado, importa assinalar que o ponto de chegada (o reconhecimento pela Unesco) se iniciara muitos anos antes. Apesar de ser uma aspiração antiga, o projeto da candidatura começou a ganhar forma em 1999, a partir da tese de doutoramento que António Pimentel (distinto académico, historiador e atual diretor do Museu Calouste Gulbenkian), o primeiro diretor científico da candidatura, realizou sobre o Paço das Escolas. No entanto o momento fundador da intenção, foi veiculado muito antes, pelo Grupo de Arqueologia e Arte do Centro (GAAC), nomeadamente, no I Encontro sobre a Alta de Coimbra, realizado em outubro de 1987:
«A Alta de Coimbra é um património de inegável valor que corre o risco de desaparecimento, face à insensibilidade do progresso, à ignorância de muitos e ao interesse económico de outros”, afirmou, então, Mário Nunes numa saudação aos 350 congressistas, na abertura dos trabalhos.
Passada a euforia do estatuto, que engrandeceu o património mundial português, atualmente constituído por 17 locais, Coimbra não tem conseguido potenciar esta imensa mais valia. Os turistas passam, mas não ficam, visitam por algumas horas o património reconhecido, mas vão cear e dormir a outras paragens, atraídos pela gastronomia ou turismo espiritual.
A Rua da Sofia é, por outro lado, um caso de estudo, pela incompreensibilidade que encerra. Ninguém que a frequenta diria que é património mundial da humanidade: vários edifícios de enorme potencial turístico, permanecem encerrados ao público, carecendo, por outro lado, de obras de reabilitação. A miséria humana instalada em seu redor, também não ajuda a projetar a imagem daquela que outrora foi considerada a maior rua da Europa. Em breve o metro irá cruzar a parte terminal da Rua da Sofia, a sul. Talvez seja o momento de requalificar toda a zona, quiçá tornando-a pedonal – solução que muitos vislumbram como a mais acertada para potenciar o espaço urbano.
Há dez anos fomos credores, pela comunidade internacional, de um tesouro material e imaterial incomensurável que nos encheu de orgulho, naquela que ainda é a capital oficial de Portugal. Coimbra, porém, não pode, nem deve, adormecer à sombra do estatuto alcançado. Sob pena de um dia sofrer algum dissabor inesperado, que por mais de uma vez se tem murmurado nos bastidores; a reversibilidade do ato praticado é real, e um risco que a todo o custo devemos evitar.
A primeira década, que podia ter sido de ouro, hipotecou-se em grande parte. Que a próxima nos traga tudo aquilo que tem faltado, a começar pelo encontro de vontades e união político-institucional.