Largo da Portagem, 25 de maio 2019. Era apelativa a suavidade dos acordes que naquela tarde pairavam no ar, trazidos por um daqueles músicos de rua. Quem dera, para ficarem! Desta vez era a Ana, que melodiosamente tocava a sua flauta, enquanto a si própria se embalava, ao introduzir cada uma das improvisações nas músicas que traz gravadas no telemóvel e depois a coluna de som reproduz. Daí a razão, segundo ela, de nenhuma interpretação ser igual. Aluna do ensino integrado na escola secundária D. Duarte, ali frequenta as disciplinas de português e educação física, enquanto as restantes, da área do ensino artístico, acontecem no Conservatório Regional de Coimbra, onde se encontra matriculada em análises e técnicas de composição, formação musical, orquestra, flauta, piano e história da cultura e das artes.
A sua aparição na rua ocorreu no ano passado, experiência aliciante que prossegue, muito mais pela vivência do que pela angariação de fundos que sempre recolhe, a que não deixa de atribuir valor, pois sempre lhe dá uma certa independência. Isso, porém, não é fundamental e em nada interfere no seu dia-a-dia, já que, acima de tudo, se sobrepõem as suas relações familiares que de todo privilegia. Fala dos pais ainda jovens na casa dos quarenta e poucos anos com manifesto apreço e admiração, evocando-lhes um incondicional acompanhamento a si e aos nove irmãos, com idades entre os vinte e o meio ano. Também ela um dia gostaria de ser mãe de muitos filhos…
Nos seus horizontes está a musicoterapia, especialização que pretende levar a cabo a partir do próximo ano, tendo-se para tal candidatado à Universidade. Tal opção obedece a princípios que ela própria traçou e onde estão os desígnios que assentam na fraternidade e partilha. E tudo isto em torno da música, pois acredita no contributo que esta pode proporcionar, possibilitando no geral um clima de bem-estar às pessoas e, no particular, aquando de situações trazidas por certos tipos de doenças. Ciente que tal especialização não é ainda muito procurada, crê que isto irá mudar e, daí, partir para ela como modo de vida, mas direcionando-a na ajuda ao próximo. É notório que esta forma de estar é o reflexo de uma educação de base, consubstanciada em valores que ela assume sem subterfúgios ao referir a sua crença na Providência Divina, aspeto que pela sua especificidade ultrapassa o nosso propósito. Rendidos pela sua contagiante simpatia e a partir do diálogo que informalmente travámos numa esplanada ali perto, ficámos a conhecer um pouco da sua vida, dos seus projetos para o futuro, dos seus gostos e desejos, dos caminhos que hoje percorre e daqueles outros que amanhã se propõe alcançar. Falamos hoje da Ana numa perspetiva artística, ontem do Zé Ramalho e dos seus jardins, da tia Adelaide vendedora de tremoços, do Carlitos do papelão, do Pinto dos farrapos e de muitas outras pessoas anónimas que, pela sua singularidade, merecem ser referenciadas, ou não fizessem elas parte daquelas figuras da Baixa da Coimbra que vamos inesperadamente descobrindo quando volteamos pelas suas ruas.