A sintomatologia depressiva nos adolescentes é a mais elevada de sempre em dez anos de avaliação do programa de prevenção do suicídio “Mais Contigo”. Coordenado pelo professor de saúde mental na Escola Superior de Enfermagem de Coimbra (ESEnfC), José Carlos Santos, esta é uma análise que levanta grandes preocupações e exige que se tenha um olhar muito atento e cuidadoso perante os jovens.
“O olhar de proximidade, que as plataformas virtuais não permitem, o escutar sem juízos de valor, a legitimação do sofrimento, é o que pedimos às nossas equipas numa primeira ajuda”, sublinha, explicando que cerca de 40 por cento dos jovens apresenta sintomatologia depressiva, dos quais 28 por cento expõem indícios e manifestações de depressão moderados ou graves.
Estes dados, divulgados na semana passada, resultam da avaliação feita a 436 jovens, com uma média etária de 14 anos, no último ano letivo (2020-2021), no contexto deste programa de prevenção de comportamentos suicidários em meio escolar. Devido ao contexto de pandemia, contemplou apenas alunos das escolas das zonas de intervenção das administrações regionais de Saúde do Centro, de Lisboa e Vale do Tejo e do Algarve.
Os resultados mostram que “as adolescentes apresentavam maiores vulnerabilidades, particularmente no bem-estar, autoconceito e sintomatologia depressiva, que aumentam para todos [rapazes e raparigas] a partir do 7.º ano”, revela o coordenador do “Mais Contigo”.
“Os dados da sintomatologia depressiva são os mais elevados desde que fazemos esta avaliação”, que já é realizada há cerca de uma década, alerta José Carlos Santos, considerando que estes dados são “sinal de preocupação, mas sobretudo da necessidade de programas similares, que identifiquem, intervenham e encaminhem situações de sofrimento mental”.
Durante a apresentação dos resultados, na sessão de abertura do X Encontro Mais Contigo, realizado em formato de webinar, o docente afirmou que “os comportamentos autolesivos mais comuns nas nossas escolas passam por uma metacomunicação, centrada no corpo, muitas vezes vivido, mas algumas vezes objeto e tela de todas as ambiguidades, utopias, angústias e, por fim, sofrimento mental tido como insuportável, inevitável e interminável”.
O especialista apela “a uma maior necessidade de presença de profissionais de saúde mental nas escolas, sejam psicólogos ou enfermeiros de saúde mental, mas também de maior interligação entre a escola e as instituições de saúde”, uma vez que “o estigma, os processos de negação, de vergonha, de medo, de incompreensão e de falsos conceitos estão ainda presentes e dificultam intervenções atempadas”.
Presente na sessão de abertura do encontro, o diretor do Programa Nacional para a Saúde Mental (PNSM), Miguel Xavier, referiu que “os números [do Mais Contigo]” e “a capacidade de chegar” a tanta gente “começam a ser impressionantes”. Entende que “esperar que sejam os cuidados terapêuticos a resolver” os problemas de saúde mental “é uma falácia”, numa alusão à relevância da prevenção e da intervenção ao nível dos cuidados de saúde primários. Considera que é “uma questão de primeira prioridade a sustentabilidade deste projeto” e que fará “o possível e o impossível para que o ‘Mais Contigo’ possa continuar”.