Longa, dolorosa e destruidora foi a guerra de Troia, a que o rapto de Helena deu origem. E nela combateram heróis que a epopeia e a tradição tornou famosos, tanto aqueus como troianos: Aquiles, Ulisses, Nestor, Agamémnon, Menelau, Ájax, Diomedes, Heitor, Príamo, Páris, Eneias, Glauco, Sarpédon, entre outros. Todos têm a sua história que, é evidente, merecia ser contada… Neste momento interessa-me, contudo, Aquiles, o filho de Peleu e da nereide Tétis — os que não convidaram Éris-Discórdia para as bodas.
Era Aquiles o maior herói da Guerra de Tróia, aquele que levava a palma aos demais em excelência – ou aretê (‘virtude’) como diziam os Gregos –, o guerreiro que todos temiam. Era guerreiro indomável e quase imune às armas e à morte. Apesar disso e apesar do seu valor e de muito ter combatido, não viu Aquiles o final da cidade de Ílion e a sua conquista, nem teve a honra de tal obter os louros. Antes colhera-o a morte e quem participou, e assistiu, à queda de Troia foi o seu filho Neoptólemo (‘Nova Guerra’, em tradução) ou Pirro, como também é conhecido.
Tétis – uma nereide e por isso deusa – casara a contragosto com um mortal, Peleu, a quem primeiro resiste e depois tem de aceder. Sofre por saber que os seus filhos estão sujeitos à morte – herança de Peleu que era mortal – e tenta protegê-los e torná-los imortais, passando-os pelo fogo. Todavia, com o seu ato para os fazer imunes, acaba por destruí-los. Só Aquiles se salva, porque Peleu surpreende o ato de Tétis e tenta impedi-la, mas, na confusão, o calcanhar de Aquiles é queimado e fica vulnerável.
Segundo outra versão do mito, e a mais conhecida, a tentativa de a mãe tornar o filho invulnerável resulta de o ter banhado, quando criança, na água do Estige, o rio ou lago infernal. Não podia a deusa, todavia, tocar ou ter contacto com essa água. Procurou imunizá-lo o mais possível, pegando-lhe pelo calcanhar, a única parte do corpo que não ficou protegida. Consciente disso e sabedora de que, na guerra de Troia, estaria o seu fim, bem tenta que o filho nela não participe; bem o aconselha a que não lute; bem pede ao deus Hefestos que lhe forje uma armadura… Debalde, tudo em vão. Com a participação de Aquiles na guerra e com o decorrer da luta, sabe Tétis que a morte em breve colherá o filho… E sofre por não conseguir ajudá-lo e por não poder evitar que morra. Apesar de deusa, não consegue salvá-lo e sofre a sua morte como verdadeira mãe dolorosa.
E foi o calcanhar, a parte do corpo que a deusa não pudera imunizar, a porta de entrada da morte, quando uma seta, desferida por Páris já perto do fim do conflito, o atinge nesse local do corpo. Era o seu ponto fraco – o calcanhar de Aquiles.
E todos nós temos um ponto sensível ou vulnerável, quer físico, quer psíquico – o nosso calcanhar de Aquiles, por onde somos atingidos ou acabamos por ceder.