13 de Fevereiro de 2025 | Coimbra
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Associação “Não Partilhes” é pioneira no combate a violência sexual

17 de Janeiro 2025

Depois de ver a sua vida íntima partilhada na internet, Inês Marinho decidiu criar a associação “Não Partilhes”, um projeto pioneiro no país e que pretende consciencializar a sociedade para o crime da violência sexual com base em imagens. A jovem, natural da Figueira da Foz, alerta que esta é uma prática cada vez mais comum e que, na maioria dos casos, as vítimas nem sequer sabem que conteúdos seus estão a ser divulgados nas plataformas digitais. Foi exatamente isso que aconteceu consigo.

“No final de 2019, um vídeo foi amplamente partilhado no WhatsApp e no Telegram sem o meu consentimento”, recorda Inês Marinho, em declarações ao “O Despertar”. A jovem tomou conhecimento de que era uma vítima de Violência Sexual Baseada em Imagens (VSBI) por um amigo seu, que a avisou do que estava a acontecer. Na altura, Inês procurou mulheres que estariam a passar pelo mesmo e apercebeu-se que o número era maior do que imaginava.

Juntas, deram vida a um movimento online com vista a apoiar outras vítimas. A iniciativa foi crescendo e acabou por transformar-se numa associação: a “Não Partilhes”, cujo objetivo passar por informar a comunidade sobre este tipo de crime. “Temos vários conteúdos online para o esclarecimento de dúvidas; dicas de segurança e de saúde mental; temos ainda uma equipa jurídica que faz o aconselhamento necessário a quem quiser apresentar queixa”, explica Inês Marinho.

No entanto, o apoio não fica por aqui. O projeto conta ainda com a Voz Amiga, isto é, todos os que contactam a associação falam diretamente com a jovem da Figueira da Foz. “Eu não sou psicóloga, mas costumo dizer que sou uma boa amiga e também passei por essa situação (…) Neste espaço, as sobreviventes e as pessoas que estão a passar por isto sabem que têm alguém com quem contar”, sublinha.

 

Intimidade exposta no digital

Recentemente, foi posto a descoberto um grupo da plataforma Telegram onde mais de 70 mil utilizadores divulgavam milhares de fotografias íntimas de mulheres sem o seu consentimento. A este propósito, Inês Marinho acredita que “só agora se começou a falar destes grupos, mas eles já são anteriores à pandemia”.

A jovem expõe ainda que os números “são bem maiores do que 70 mil pessoas”, chegando mesmo a haver mais de 100 mil envolvidos neste crime. “Só para que tenhamos um meio de comparação: o Estádio do Dragão leva 50 mil pessoas, por isso, é como se estivéssemos a falar de dois estádios cheios de gente”, adverte.

No que diz respeito às vítimas, Inês Marinho não tem dúvidas de que é difícil ter percentagens realistas. Por um lado, há quem nem sequer saiba que é vítima. Por outro, há ainda quem opte por não fazer queixa, porque “o sistema não está preparado para isso. Muitas vezes, tratam mal as pessoas, julgam-nas e esse processo não é facilitado para os sobreviventes”, afirma a jovem.

Contudo, o trabalho da associação “Não Partilhes” parece estar a ajudar a quebrar preconceitos e a acompanhar quem dela precisa. “Nunca estamos uma semana sem recebermos, pelo menos, uma mensagem”, conta a fundadora. Além disso, Inês Marinho avança que “quando o ano letivo começa, recebemos mensagens todos os dias”.

Quem mais procura o projeto são mulheres, entre os 16 e os 29 anos. Apesar de ser no sexo feminino que se registam mais vítimas, a jovem não considera que os números reflitam a verdade. “Não acho que 90% das vítimas sejam mulheres e 10% homens. Acredito que as percentagens devem ser mais semelhantes, mas os homens também são vítimas de uma sociedade machista e a voz também lhes é tirada quando querem fazer queixa”, frisa.

 

Educar para prevenir

Ao refletir sobre o tema da violência sexual, Inês Marinho apercebeu-se de que há algo transversal neste tipo de crimes: “culpabilizam-se e policiam-se mais os comportamentos da vítima do que os do agressor”. Nesse sentido, – e por defender que não há forma de nos precavermos a 100% -, a “Não Partilhes” entende que o único modo eficaz de prevenção é educar as pessoas que cometem estes crimes. Nesse sentido, a associação promove várias palestras, com o objetivo de sensibilizar os mais jovens para esta temática, bem como esclarecer quaisquer dúvidas.

“Eu costumo dizer que, quando vou dar palestras em escolas, estou a falar com possíveis vítimas e possíveis agressores. Assim, é preciso consciencializá-los para o facto de isto ter um grande impacto e consequências a longo prazo na vida das pessoas, já que, algumas delas, acabam mesmo por tirar a sua própria vida”, confessa Inês Marinho.

Parte desse trabalho consiste também em explicar que a culpa não está na vítima, mas, sim, em quem comete o crime. O próprio nome da associação pretende quebrar esse estigma, já que se dirige diretamente ao agressor: “Não Partilhes algo que não é teu sem o consentimento da pessoa”, revela a fundadora.

 

Sentimento de impunidade

Apesar dos inúmeros esforços para garantir que vítimas de violência sexual com base em imagens se sintam acompanhadas, Inês Marinho garante que nem sempre é fácil. Afinal, a própria lei ainda não dá respostas suficientemente eficazes a quem apresenta queixa. “Existe um sentimento de impunidade que é perfeitamente justo (…) Continuam-se a cometer os mesmos crimes de há cinco anos atrás e os grupos na internet continuam a aumentar”, lamenta.

Não obstante, as próprias plataformas digitais não dispõem de políticas suficientes para evitar que este tipo de práticas aconteçam. “O Pornhub, por exemplo, ainda tem ativos vídeos de conteúdos de abuso e agressão sexual”, revela a jovem, acrescentando que ainda há muito a fazer por “parte do Estado, da sociedade e das grandes empresas de tecnologia” para que as vítimas se sintam, de facto, apoiadas.

Deste modo, o rosto por detrás da “Não Partilhes” apela a que todos, enquanto comunidade, estejam atentos e sejam o ombro amigo daqueles que possam estar a passar por esta situação. “É importante ter calma e perguntar à pessoa se ela quer ajuda”, aconselha. No caso de uma resposta afirmativa, “devemos dar-lhe tempo, não pressioná-la e encaminhá-la para instituições que a possam ajudar e acompanhar à esquadra para apresentar queixa, se assim o pretender”.

Por fim, Inês Marinho acautela ainda para algo que considera fundamental: “Também temos de compreender se a pessoa não quiser fazer queixa ou falar da situação. Além disso, aconselhamos sempre, e se possível, a procura por acompanhamento psicológico”, conclui. A associação “Não Partilhes” pode ser contactada através do facebook, instagram ou através do email naopartilhes@gmail.com.


  • Diretora: Lina Maria Vinhal

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