24 de Abril de 2025 | Coimbra
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João Pinho

AS RENDAS QUE A JUSTIÇA TECE

20 de Maio 2022

Fomos surpreendidos esta semana pelo suicídio do ex-banqueiro João Rendeiro, numa prisão da África do Sul, país para onde decidiu evadir-se em 2021, após condenação a penas efetivas em 2020, correlacionadas, em especial, com a gestão danosa do Banco Privado Português, instituição bancária que fundou em 1996 e presidiu até à sua queda em 2010, quando o Banco de Portugal deu como terminados os esforços para a sua recuperação e viabilização.

Rendeiro foi seguramente um dos homens mais importantes da alta finança portuguesa a par de Ricardo Salgado no Portugal Contemporâneo. A sua queda, porém iniciou-se em 2014, quando o DIAP de Lisboa levantou as primeiras suspeitas atinentes a atividade criminosa, as quais durante os anos seguintes foram analisadas, validadas e confirmadas pelas instâncias judiciais.

Algo tem vindo a mudar no panorama nacional, no que toca à justiça. Apesar das pressões sobre juízes, advogados e funcionários judiciais, começa a esboçar-se uma nítida tendência de que já não existem intocáveis. A Operação Marquês foi, na minha perspetiva, o marco teórico-prático da mudança, atingindo o coração político e suas permissividades, muito por força da ação empenhada dos jornalistas de investigação, na sua missão dificílima de contornar o segredo de justiça, o acesso a fontes credíveis, a divulgar informação e conhecimento fidedignos e rigorosos junto do grande público.

Porém muito caminho tem a justiça que percorrer para atingir a desejada igualdade e equidade jurídico-criminal. Continuamos a assistir a dualidade de critérios entre pobres e ricos, poderosos e oprimidos, conhecidos e anónimos. É mais fácil condenar quem rouba fruta para comer, em ato puro de sobrevivência, do que quem gere os pomares e explora os imigrantes, situação recentemente reportada pela comunicação social no nosso Alentejo.

As denúncias anónimas online sucedem-se, constituindo hoje uma ferramenta colocada ao alcance dos cidadãos, veículo através do qual se tem, também, combatido a criminalidade, em especial a cometida pelos colarinhos brancos. Mas é preciso proteger, de outra forma, aqueles que apresentam queixa-crime das represálias e coações que se sucedem ao seu ato tantas vezes justo e corajoso.

No caso do desfecho trágico de Rendeiro, creio que a justiça acabou por se fazer por si própria. Bastou a colaboração policial entre autoridades dos dois países, a vontade em levar o evadido a tribunal e a cumprir a pena respetiva, para que o próprio visado ficasse encostado à parede. Descido à condição humana de um preso no meio de tantos outros, em ambiente hostil e estranho, consciente do beco sem saída em que se metera, preferiu a morte rápida a uma existência difícil, onde a honra e dignidade, princípios fundamentais de qualquer Homem, estavam, definitivamente, manchados.

Nem sempre o dinheiro compra tudo. Oxalá que o futuro nos continue a demonstrar que vale a pena acreditar na administração da justiça, tendo, por exemplo, este caso, onde a rede tecida acabou por ser fatal para o seu principal arquiteto.


  • Diretora: Lina Maria Vinhal

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