É um projeto inovador em cuidados paliativos. Criado pela Cruz Vermelha Portuguesa (CVP) – Delegação de Coimbra, o “Ambulância Mágica” nasceu de uma ideia simples, mas profunda: concretizar desejos e oferecer momentos de conforto a adultos que enfrentam doenças em estado avançado ou paliativo. Desde a sua génese, em 2022, a iniciativa já realizou mais de 40 sonhos.
“Quando as pessoas vivem os últimos meses, semanas ou dias, o tempo assume uma nova dimensão e os desejos tornam-se mais urgentes e as experiências significativas. Às vezes, pequenos sonhos podem ter um impacto muito transformador”, sublinha Fernando Marques, vice-presidente da CVP – Delegação de Coimbra, em declarações ao “O Despertar”.
A “Ambulância Mágica” nasce com o propósito de promover o bem-estar emocional destes doentes, depois de ter vencido o “Concurso Projetos Inovadores de Intervenção em cuidados paliativos”, no Programa Humaniza da Fundação “La Caixa”. Foi esse prémio que levou a CVP a avançar com a iniciativa que, desde então, tem vindo a realizar vários desejos: desde os mais simples aos mais complexos.
“Os que são mais pedidos é ir ver o mar e ir a Fátima”, adianta Fernando Marques. Por outro lado, há também quem peça para revisitar lugares que fazem parte da sua história, para conhecer o estádio do seu clube de futebol, para fazer um passeio no Douro, e não só. “Um recente e impactante foi, por exemplo, o pedido de uma mãe que queria assistir ao casamento da filha. Era suposto ir apenas à missa, mas acabámos por ficar a festa toda”, recorda o responsável.
“Localização não é um entrave”
Todos os desejos são realizados com a conivência das equipas de cuidados paliativos que seguem o utente. São elas que, juntamente com os familiares do doente, contactam o projeto através de um formulário disponível no site da iniciativa. “É-nos feito esse primeiro contacto, nós analisamos o desejo, reunimos com a equipa para sabermos o estado geral de saúde da pessoa, quais são os cuidados necessários e, posteriormente, começamos a preparar o desejo”, explica Fernando Marques.
No entanto, há um requisito a cumprir: “tem de ser, obrigatoriamente, um doente adulto e que seja seguido em cuidados paliativos, seja no domicílio, seja no internamento”, acrescenta. Afinal, uma ação como esta exige cuidados muito específicos. “Para além dos dispositivos necessários, como o oxigénio e a administração de medicação durante a viagem, são ainda feitas várias paragens para reposicionamento dos doentes”, conta.
Nesse sentido, a ambulância faz-se preencher por um grupo de pessoas. O doente e o seu familiar vão sempre acompanhados pela tripulação da CVP, bem como um médico ou enfermeiro dos cuidados paliativos que segue o doente. O intuito é que a viagem seja “o mais saudável possível”.
E se, numa fase inicial, a área de abrangência da Ambulância Mágica se limitava a Coimbra e à ARS Centro, nos últimos meses, o projeto começou também a receber pedidos vindos do norte do pais, nomeadamente, Porto, Vila Nova de Gaia e Espinho. “Temos sempre concretizado esses desejos, portanto, o fator localização não é um entrave”, garante Fernando Marques.
Devolver a magia da vida
Pelas suas características, a iniciativa tem como mais-valia o facto de promover o bem-estar, não só do doente, mas também da própria família que vive intensamente o momento da concretização do sonho do seu ente-querido. “Ficamos muito orgulhosos e com um sentimento de dever cumprido por sentir que permitimos que as famílias façam um futuro luto menos desagradável”, confessa o responsável.
No entanto, nem sempre é fácil levar o projeto a bom porto. O financiamento de que usufruía terminou em 2023 e, desde então, a iniciativa só sobrevive graças aos donativos dos cidadãos. “Apesar dos recursos humanos serem todos voluntários, existem custos associados ao nosso trabalho (como o gasóleo, as portagens ou o desgaste da própria viatura). Tudo isso conta e estes donativos são fundamentais para a sobrevivência do projeto”, assume.
A “Ambulância Mágica” já fez sonhar mais de quarenta doentes e promete não ficar por aqui. Como o próprio nome o faz adivinhar, é urgente continuar a devolver a magia da vida a quem dela precisa. “Estas pessoas acabam por viver melhor os seus últimos momentos. Na maior parte das vezes, infelizmente, é das últimas coisas que podemos fazer por elas”, conclui.