Nos últimos anos a sociedade portuguesa acordou para o drama da violência doméstica. Fruto da cobertura mediática dos casos mais sinistros, e por norma mortais, o tema assumiu a primazia nos alinhamentos noticiosos e passou para a agenda política e social de quem nos governa.
Parece, à partida, um fenómeno novo, com tratamento especial e inovador, sobre o qual todos se pronunciam – sociólogos, psicólogos, assistentes sociais – incluindo responsáveis por instituições encarregues da vigilância e proteção de vítimas e menores, os mesmos que repetidamente desvalorizam informações relevantes, lavando as mãos perante a antecâmara do crime.
Mas não tenhamos ilusões. A violência doméstica, tal como a pedofilia – que parece um pouco esquecida, por que será? – não é crime de hoje, nem de ontem, é tão antigo como antigos são os homens na terra e vai, infelizmente, continuar a existir. As estatísticas dizem que começa logo no namoro, que está a alastrar por todas as classes, e que as vítimas mortais, em especial mulheres, continuam a engrossar uma lista de assassinatos cruéis.
Há muito de perverso e enganador na violência doméstica. São inúmeras as situações em que o casal envolvido partilha momentos de cumplicidade e alegria em público, ou que anuncia o fim de um mau período, a amigos e familiares, concedendo o perdão total para uma nova vida. E, sem que nada o fizesse prever, cai o cutelo assassino.
É por isso que desconfio quase sempre das declarações e juras de amor eterno, da partilha de fotografias de beijos e abraços nas redes sociais, de nomes gravados em tatuagens, de promessas de renovada paixão, num mundo cada vez mais complexo, promíscuo e perverso onde vale tudo.
Na verdade, um dia o amor acaba e a adaptação a essa nova realidade, quase sempre termina em fuga para a frente, rumo ao abismo: finge-se a ignorância, procura-se manter o status de vida, adiam-se as decisões difíceis, o álcool e medicamentos tornam-se um refúgio, os filhos, se existirem, a justificação para todos os sacrifícios – na expectativa de que a tempestade passe. Mas, salvo raras exceções, é a versão mais cruel do ser humano que acaba por vingar: violência verbal e física, tantas vezes, e mortal, nalguns casos.
Cabe à sociedade manter a vigilância possível, sendo certo que muitos de nós preferem, por conveniências diversas, seguir o velho ditado: «entre marido e mulher não se mete a colher» – mesmo que da colher escorra sangue e lágrimas de horror.