No final de uma tarde tranquila desta semana encontrei o Dr. Joaquim Correia. À saída da Casa da Cultura dizia-me que estava de partida para outras aventuras profissionais. Pasmei: 35 anos de dedicação à cultura de Coimbra, 13 dos quais nas funções de chefia, não faziam prever este desfecho, embora se soubessem das profundas alterações em curso na reestruturação dos serviços camarários, que acabaram por sacrificá-lo, atingindo a sua dignidade enquanto funcionário dedicado – leitura pessoal que arrisco não andar longe da verdade plena.
Recordo, nesta hora de um adeus, que desejo seja breve no que toca a Coimbra, como por ele fui recebido no auditório principal, quando iniciava a minha vida de investigador: afável, simpático, interessado, subscreveu e deu seguimento ao apoio à primeira monografia sobre uma freguesia do nosso município – Botão, corria, o ano 2001.
E esta é, certamente, a ideia com que muitos players da cultura conimbricense (e não só) tinham e têm do Joaquim Correia. Grande parte do que se fez em Coimbra nas últimas três décadas tiveram a sua assinatura, mais nos bastidores do que na ribalta, talvez por não querer palcos, honras ou glórias.
Vejo, nos últimos tempos, sair de Coimbra muita gente válida, que ruma a outras paragens na busca do sonho, da esperança, da realização. A cultura, campo que me é particularmente querido, tem sido dos mais sangrados, negando de certa forma a aposta na prata da casa, que quase sempre se privilegia quando se chega e se percebe quando se parte. Também eu tenho pensado nos tempos que correm: se vale a pena tanto sacrifício, se vale a pena acreditar nos novos tempos, no saber e experiência acumulados, no muito que há por fazer!
Curiosamente, também por estes dias, um médico conceituado de Coimbra alertou-me, inesperada e metaforicamente, para os tempos difíceis de compreender que atravessamos, em especial as contradições e contraciclos dos «homens que detêm a chave do cofre do poder», isto é: a gestão do conhecimento e informação por parte de quem manda e decida. Uma longa jornada de reflexão, em torno de uma hipótese meramente académica, no entanto, plena de sentidos.
Neste capítulo e se Deus me permitir fazê-lo, deixarei um dia escrito, nas minhas memórias, as desventuras com que no passado, sobretudo num passado não muito distante, me negaram uma fração desse poder, por decisões na época incompreensíveis até para os próprios políticos, então em exercício de funções, que deram a camisola por mim e pelos meus projetos. Havia sempre um se ou um mas. Havia, na realidade, outra coisa, bem mais feia, que aqui não digo por respeito aos leitores.
Guardo desse estranho encontro com o destino, documentos que nas entrelinhas permitem desvendar as razões doentes de uma cidade tão bela, mítica e encantadora, que muitas vezes se deleita no prazer sórdido de ver consumidos aqueles que tudo estão dispostos a dar por ela, deixando-se levar pelo murmúrio de sereias que transmigram de outras latitudes, com a força do sangue azul. Contas de outro rosário, para memória futura!
Com o pensamento nas almas boas que me permitem continuar a sonhar (ainda há um punhado delas, felizmente!!!) aqui deixo, pois, um sentido abraço ao Joaquim Correia!