3 de Outubro de 2023 | Coimbra
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António Inácio Nogueira

TESTEMUNHOS: Viagens II – As Minas da Urgeiriça

8 de Setembro 2023

 

Nas minhas deslocações pelo país profundo, agora sempre mais perto de Coimbra, visitei, se assim se pode chamar, as memórias mais expressivas de um lugar mítico: falo na Urgeiriça, um território bem ligado às célebres minas de seu nome. In loco, tentei descobrir algo sobre a sua história e esquadrinhar o que foi feito para preservar as suas memórias.

Pelo meu artigo anterior, é fácil descortinar que estive no Hotel Urgeiriça, ele próprio, ligado, pela história e reminiscências, às Minas de seu nome.

Foi nesse estabelecimento hoteleiro, que me foi sugerido ver um documentário apelidado Cem Anos da Urgeiriça, produzido para celebrar o centenário das minas. De seguida, e ainda de acordo com o meu informador privilegiado, devia visitar o Bairro dos Operários e o magnífico centro de lembranças (nome meu) a ele contiguo.

O filme, afiançou-me outra pessoa credível, conta que após a II Guerra Mundial as minas se reposicionaram como sendo alvo de interesse dos EUA e do Reino Unido, devido ao valor estratégico do minério para produzir armamento nuclear.

O documentário traça também, segundo a mesma fonte, a história da mina desde 1915, altura em que foi patenteada para a exploração de rádio, por força da investigação científica de Marie Curie e a esperança de que o minério tivesse propriedades terapêuticas.

Resíduos de rádio foram vendidos como fertilizante, e a água de uma fonte junto à mina engarrafada e promovida como tendo características medicinais. Vejam bem!…

Em 1929 foi constituída a Companhia Portuguesa de Radium, de capitais ingleses, depois convertida na função de exploração de urânio. A má administração inglesa, de acordo com   opiniões segredadas, – já que na altura a vida era feita de silêncios -, leva Salazar a arrogar a empresa e a criar a Junta de Energia Nuclear. Após o 25 de Abril, passou a designar-se, Empresa Nacional de Urânio.

Nos anos 50 chegaram a trabalhar na mina cerca de 1500 trabalhadores, número que foi decaindo, labutando na década de 80 já pouco mais de 350. As minas encerraram em 2004.

A Urgeiriça não era só uma mina. Era um complexo industrial de dimensão significativa. A prova disso é que em 1954 foi construído o Bairro dos Mineiros, constituído por cerca de 140 habitações para alojar os seus empregados. Muitas destas habitações foram edificadas com materiais da própria mina, como barrotes de madeira e pedras para as fundações, tudo pejado de minério activo.

Hoje podemos observá-lo como um conjunto harmonioso de casas de arquitectura igual, singela, familiar, muito parecidas com as do Bairro Salazar que existia na Guarda da minha infância e juventude.

Ali se reconhece um património importante de conhecimento na área social. No seu âmago existem testemunhos e memórias, cinzeladas naquelas paredes, sobre a imolação desses trabalhadores, cujas circunstâncias de trabalho eram duras, nove horas ininterruptamente vividas em horríveis e desumanas condições de humidade, respirando poeiras e partículas radioativas em todos os momentos do seu trabalho. Enfim, servos do minério, da guerra e da ganância dos homens.

Ontem assim foi, hoje assim será, embora com outras roupagens, amanhã se verá…

É reconhecível o como a atividade mineira teve, neste local, um brutal impacto na saúde dos mineiros e no tecido social envolvente, mazelas que ainda perduram. Escravatura à procura da morte precoce anunciada. A minha homenagem a esses heróis.

Foi no meio de todo este enredo, pouco edificante, que foi construído o Hotel Urgeiriça, onde o então vice primeiro-ministro inglês Anthony Eden passou a lua de mel com a mulher Clarissa, sobrinha de Winston Churchill, e António de Oliveira Salazar conviveu com a jornalista francesa Christine Garnier. Mais tarde, depois do 25 de Abril, também foi refúgio amoroso de Snu e Sá Carneiro.

Engenheiros e outros funcionários de topo da carreira hierárquica das minas também aqui tinham lugar, bem como a aristocracia anglo-portuguesa, ao tempo.

É pois, sem dúvida, o Hotel Urgeiriça, um hotel com história.

As minas da Urgeiriça, fecharam definitivamente em 2004, como se sabe, decorrendo, de seguida, um processo de descontaminação aprofundado. Previu-se, na altura, um centro de estudos, de investigação e de serviços na área da radioatividade e, concomitantemente, um núcleo museológico, lugar de testemunhos, memórias e estórias, da já prescrita e maldita actividade mineira. Também um Centro Interpretativo na área da radioatividade e da história das minas.

Este processo de Requalificação Ambiental da Antiga Área Industrial da Urgeiriça foi promovido pela EDM – Empresa de Desenvolvimento Mineiro SA.

Após a descontaminação química e radiológica dos edifícios, houve que reabilitar as Oficinas de Tratamento Químico, de Britagem e do Passadiço, a par do Complexo de Transformação e Tratamento do urânio. Esta arquitectura industrial, alicerçada em memórias, permitiu retroceder à época remota da sua construção (Para mais saber, aceder às plataformas digitais EDM – Empresa de Desenvolvimento Mineiro SA).

Estive nos locais acima mencionados. Vi o Bairro Operário e pretendia visitar tudo o resto. Não me foi possível, por ventura, por ir no dia errado ou por não ter feito a solicitação antecipada de visita, junto do Posto de Turismo da Câmara Municipal de Nelas.

Conselho meu: Visitem, pois «vale a pena».


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