A Guerra
O meu tio Manuel Nogueira, irmão do meu pai, trouxe aos ombros a palavra guerra e soube o quanto é pesada. Ouviu o seu grito, o seu jeito de escarafunchar as entranhas, o seu piar de coruja que entra uma vez no corpo pelos ouvidos e se auto aprisiona dentro da alma, para nunca mais de lá sair.
É costume dizer-se que sofreu no corpo e na mente as agruras da guerra. Participou numa guerra, brutal, em que num só dia, em La Lys, morreram quase 2 000 companheiros, mais de 5000 ficaram feridos e cerca de 7 000 foram feitos prisioneiros ou desapareceram.
O meu tio lutou aguerridamente nas trincheiras da Flandres ou perto de Verdun, onde os ratos, a fome, o frio e a metralha, transformavam a vida em morte anunciada. Todos os dias. Quando podia colocar o olho de fora das valas tenebrosas, as que ia cavando e «aramando» para que os camaradas se sentissem mais protegidos, observava, em redor, uma devastação inenarrável salpicada de cadáveres mutilados com corações desapegados.
A água, a lama, o frio, os ratos, os piolhos, as pulgas dormiam com ele. O gás arremessados nas trincheiras portuguesas pelos alemães, o designado gás Versiante de Iperita, mais conhecido por «gás mostarda», era por todos bem temido. Ocasionava inúmeros danos, desde feridas difíceis de encarnar até à morte lenta dolorosamente intoxicada. Provocava, por outro lado, sequelas pós – guerra variadas e sérios traumatismos psicológicos ou doenças crónicas. O meu tio sofreu na pele destes efeitos e, dizem, fontes credíveis, que chegou «gaseado», termo que o povo pronunciava.
A Iª Guerra Mundial, foi um morticínio qual montão de cadáveres. A destruição das cidades, vilas e aldeias, fizeram chorar lágrimas de sangue. Restavam destroços. Ao olhá-los, os sobreviventes pensavam que tinham aportado ao Inferno.
Para nós, para alguns de nós, que só a conhecemos em imagens ou em livros de história, ela nunca passará de um sussurro longínquo, facilmente suportável e rapidamente esquecível. O tipo de murmúrio que não se percebe bem, ao qual não conseguimos atribuir o verdadeiro significado.
Eu enxergo esse rumorejo, tio, por isso o quis homenagear e recordar, agora que corre na Ucrânia uma guerra devastadora, quando muitos pensavam que a IIª Guerra Mundial seria a última. O homem e, o homem na sua essência é perniciosamente mau.
Cai-lhe o mundo em cima e é a mesma coisa do que nada. As casas desabam; o pobres andam pelas ruas destruídas ou fogem à catástrofe, há refugiados aos milhões e não se aprende nada. Pensava-se que as recentes grandes guerras seriam as últimas. Nada de isso. E a seguir à da Ucrânia virá outra. O homem não gosta do silêncio, adora a metralha e as suas consequências que custa narrar, são inenarráveis.
Diz Pablo Neruda: “Os poetas odeiam o ódio e fazem guerra à guerra.” Era bom que assim fosse, mas não é.”
A seguir à Ucrânia, virá outra, com nova cara mas com a mesma destruição. Ou pior!