A minha vida social tornou-se mais difícil com o suceder dos anos. Penso que não foi por ser cada vez mais velho, com as doenças inerentes, mas devido, fundamentalmente, ao crescimento do ruído em meu redor. A sociedade em que vivo está deformada pela turbulência, qual droga sonora que bem poucos dispensam. As pessoas, principalmente os menos idosos (e os de mais idade também…), não aguentam, nem apreciam, locais que são peculiares devido à ausência de desassossego humano, como o «murmurinhar» das águas de um rio, o cimo de uma serra cuja natureza em redor surpreende, lugares onde se consegue ouvir o chilrear encantador dos pássaros das mais diversas espécies, olhar o mar e passar uns dias em praias solitárias. Este silêncio é de longe o efeito que mais aprecio, por isso detesto frequentar praias no verão, ao fim de semana, e outras coisas quejandas. E reparo (ainda bem!) que começa a despertar nalguns jovens, uma maior sensibilidade ao ruído. Aproximam-se cada vez mais de mim. No entanto, tudo é ainda muito serôdio e a algazarra da moda, prevalece.
Alguns imaginariam que o modo de ficar em casa, durante a pandemia mais acrescida e aguda, reformaria esta sociedade viciada nos ajuntamentos e na festa permanente, uma sociedade que já não sabe estar sossegada em silêncio, por exemplo, a ler e a pensar. Logo que podem, veja-se atualmente os mais jovens, e não só, fogem do silêncio, como o diabo da cruz, e aí vão eles, em pleno desenvolvimento da variante Delta do vírus, invadir restaurantes e os mais diversos lugares de diversão, públicos, privados, escondidos em garagens, apartamentos ou quintas, – todos quanto mais barulhentos e ébrios melhor. E lá voltam a crescer as infeções fruto da turba que se aglomera. Voltamos a repetir tudo, lá vem a outra vaga, com a agravante de que esta atinge os mais novos por ser mais contagiante.
Aqui temos uma forma, desgraçadamente, política de poluição. E cada vez ficamos, sem exceção, menos tolerantes e menos racionais.
Será que esta minha utopia silenciosa contra o ruído é um vício neurológico? Ou será um sedativo para muitos dos demais que os protege da dor e do sentir que lhes provoca o silêncio?
E isto tudo a propósito de quê, de quem?
A presença da Lúcia está bem longe.
Fez-me regressar aos tempos do silêncio frio e já não encontro o seu alarido.
Pelos vistos não é preciso estar sempre em silêncio límpido. Não sou nenhum eremita. Há conjunturas em que sabe bem um pequeno fragor. As brincadeiras da minha neta, por exemplo, fazem-me bem, compõem-me o ego e a saúde.
A pandemia afastou-nos muito. Muito. Não sei porquê.
A minha saúde abana. Coincidência?
Não sei porque me fizeram isto. Quem? O ruído? O silêncio? A estirpe maliciosa Delta? Outrem?
Fui eu e o meu emudecimento?
Retirarei conclusões. Ponto final parágrafo.