27 de Março de 2025 | Coimbra
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ANTÓNIO INÁCIO NOGUEIRA

Testemunhos: Apocalipse Now

8 de Janeiro 2021

Começam a ouvir-se vozes de alguns aluados (poderemos apelidá-los como alguém o fez de seita covídica) de que a pandemia em curso é a vingança de Deus por nos termos portado mal em relação ao planeta, à indiferença em relação aos pobres e à forma como vamos contestando a igreja e como nos vamos afastando dela. E falam mesmo nos Quatro Cavaleiros do Apocalipse.

Os quatro cavaleiros simbolicamente representaram a peste, a guerra, a fome e a morte, mas nenhuma destas ocorrências danosas teve ou tem o sinal de vingança de Deus.

Já tivemos, ao longo dos séculos, estes quatro flagelos de que resultava sempre a morte como último reduto, que é, por sinal, o fim da cavalgada de vida.

Mas, deixando de lado as fantasias, todos estes perturbantes reais nos abalaram e inquietaram, fundamentalmente, a situação de pobreza que ocasionam por onde passam.

A pandemia criada pelo SARS-COV-2 (covid-19) veio aumentar a situação de pobreza e exclusão social em todo o mundo para além dos cerca de um milhão e novecentos mil mortos já originados.

A doença atual, por coronavírus (covid-19), e muitas outras ao longo dos últimos 2500 anos, causaram milhões de mortos, pobreza infinda e processos dolorosos tremendos. O vírus que causa a covid-19 transmite-se principalmente através das gotículas que são geradas quando uma pessoa infetada tosse, espirra ou expira. Estas gotículas são demasiado pesadas para ficarem suspensas no ar e depositam-se rapidamente em pavimentos ou superfícies. Qualquer pessoa pode ser infetada ao inspirar o vírus se estiver a uma pequena proximidade de alguém com covid-19 ou tocar numa superfície contaminada e, em seguida, nos olhos, no nariz ou na boca.

Causado por esta pandemia, o mundo confronta-se atualmente com uma forte crise económica e social. Os indicadores apontam efetivamente para um risco acrescido de pobreza caso a proteção social para a enorme população desempregada não seja robusta e inclusiva, permitindo um rendimento acima do limiar de pobreza para dezenas de milhares de pessoas. Inúmeros fatores de vulnerabilidade, exponenciados pela crise sanitária, contextualizaram uma redução de rendimentos, seja através de situações de desemprego, seja através do layoff ou da redução das remunerações por outros fatores muito diversos e complexos. Em causa está o risco de reprodução da pobreza, o que já se verifica. (Para saber mais, veja-se o Relatório 2020 Sobre a Pobreza e Exclusão Social em Portugal, publicado pelo Observatório Nacional de Luta Contra a Pobreza).

Além da pobreza inerente as investigações feitas pelo COW (Correlates of Word Project) concluíram que, de 1816 a 1997, houve 401 guerras, das quais, 79 inter-Estados, 108 extra-estados, e 214 guerras civis. Ou seja, uma média de 22 guerras, de todos os tipos, por década. O projeto passou a considerar os mortos totais, neste período, tendo sido registadas 53 milhões de mortes em combate. Deste número, 32 milhões representam as mortes de militares em combate em guerras inter-Estados, sendo que nas guerras civis foram registados 18 milhões de mortos em combate e nas guerras extra-Estado assinaladas quase três milhões de mortes em combate.

Só a Primeira Guerra Mundial e a Segunda para falar das mais recentes quanto sofrimento causaram a quem as viveu, quantos milhões de mortos, estropiados, famílias desfeitas pela morte e pela miséria.

E, para espanto de todos, foram muitas as que provocaram as enormes pestes que encheram e dizimaram a população do mundo, dadas as condições de indignidade e atrocidade em que combatiam e morriam os soldados.

Todos os quatro cavaleiros cavalgaram sempre até provocar a morte, fundamentalmente, o seu representante e cavaleiro dileto.

No final de cada tormento, muita coisa mudou. A sofreguidão que todos os dias da vida – sempre! sempre! – nos empurra e leva; o sentimento da vida efémera e o horror da morte – mais perto! –; esta coisa imponderável que debalde tentamos deter. Os sentimentos já não são os mesmos. A vida assenta noutras bases, fica amarga.

O peso da existência e o ónus dos defuntos sente-se cada vez mais. “Todos clamam ao mesmo tempo de pé para essa coisa imensa e doirada, num deslumbramento, os mortos que nos pareciam mortos, camada sobre camada, estão aqui de pé ao nosso lado” (Raul Brandão).


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