Há dias tive acesso a uma prosa – poesia (escrevo assim pela musicalidade das palavras), escrito pelo escritor José Tolentino Mendonça. Redige sobre o vazio que invade muita gente sujeita ao dito confinamento. Reconheci oportuno para a época trágica em que vivemos. Muita gente deveria ler e meditar sobre o seu conteúdo. Cada uma das frases que o autor deixa expressas, aqui as deixo e coloco à ponderação de tanta pessoa que precisa de as ler, e, decifrar nelas, a forma de aprontar um caminho onde vai caminhando à procura de vazar o vazio da alma, – especialmente de quem vive só, velho, em pleno isolamento abandonado.
O vazio acarreado por um medo que não entendíamos e que, silenciosamente, se tornou um locatário da nossa alma.
O vazio dos espaços confinados.
O vazio da vida, de repente, em suspenso.
O vazio das horas que quem está sozinho conta de forma diferente.
O vazio das incertezas que se amontoam e das quais ainda não falámos.
O vazio dos olhos dos que vemos sofrer e o vazio dos muitos que sofrem sem que nós o vejamos.
O vazio dos cuidadores ao final de turnos extenuantes.
O vazio dos que tiveram de continuar expostos, dia a dia, para que outros ficassem a salvo.
O vazio de tudo aquilo que, de um momento para o outro, ficou adiado.
O vazio daquela mulher idosa que passa o dia com o rosto encostado à janela.
O vazio das ruas donde nos chega um silêncio que não é um silêncio, mas uma espécie de ação de despejo da vida quotidiana.
O vazio dos encontros e das conversas.
O vazio que os amigos pressentem.
O vazio das risadas.
O vazio de todos os ABRAÇOS não dados.
E, eu, para completar todos estes vazios, aqui plasmo o meu desabafo.
Sempre gostei de estar só, não sei se era de estar só ou se era o silêncio de estar só.
Adoro o silêncio, o silêncio da escrita, o silêncio da leitura, o silêncio da natureza, o silêncio do chilrear dos pássaros, o silêncio do silêncio dos barulhos que me temperam a alma.
Agora, nos tempos de catástrofe, os silêncios já são outros, de que eu não gosto.
O silêncio dos mortos, o silêncio da casa vazia, o silêncio da natureza por onde não posso caminhar, o silêncio do escuro das manhãs escuras de inverno, o silêncio de quando me deito, sabendo que não durmo por causa do silêncio.
O silêncio do distanciamento dos filhos e da neta. O silêncio que me retira o tempo de usufruir dos barulhos das suas brincadeiras, para mim silêncio. O silêncio dos seus abraços, dos seus afetos.
Tiraram-me o meu silêncio e substituíram-no por outro que me sabe a ruído. O ruído permanente do número de mortos e do número de infetados. O silêncio, agora ruído, dos cuidados intensivos, dos mortos em fila à espera de crepitarem nas chamas dos crematórios. O silêncio, agora ruído, das cinzas finais.
Talvez seja da idade já avançada que já possuo. Já passei por outras guerras e resistia ao silêncio dos ruídos que elas têm.
Olha amor, tu sabes quem és, agora estou prestes a desistir de resistir, porque me custa só ver escuro pintado no meu silêncio.
Covid tu fazes muito silêncio, mas é um silêncio que reduz a nada o silêncio da minha vida, já curta.
Olha, mas afinal, pensando melhor, vou vencer-te, e (re)ganhar o meu silêncio!…