A singularidade de encontrarmos no receituário de Coimbra e região Centro a possibilidade de distribuir “beijinhos” sob a forma de biscoitos, leva-nos a pensar que esta é/pode ser uma oferta duplamente saborosa.
Biscoitos. Quem resiste? Há para todos os gostos e de vários feitios. Convidam à partilha de um chá e de uma bela conversa bem como a meter literalmente as mãos na massa e saborear doces momentos criativos. Não é por acaso que a cozinha é referida muitas vezes como um laboratório ou que as metáforas com alimentos são transversais a todas as áreas do saber (caríssimo leitor, já reparou que provavelmente todos os escritores colocam nos seus livros, pelo menos, uma referência alimentar?).
Interessante como as receitas de biscoitos se mantêm praticamente inalteradas. Será pela simplicidade dos ingredientes? Pela simplicidade dos gestos necessários?
Por aqui somos assumida e verdadeiramente fãs de biscoitos. Das línguas-de-gato aos biscoitos de garfo, dos esses às areias, dos torcidinhos às argolas, das lérias aos biscoitos de canela, dos biscoitos de limão aos biscoitos de laranja, dos biscoitos académicos (sabia que, resultado de uma colaboração pioneira entre a investigação académica e o mundo empresarial, desde 2018 podemos saborear a recriação de uma receita coimbrã de inícios do séc. XX?)… aos biscoitos de azeite, em forno de lenha, em que se busca um sabor único que a memória recupera: fornadas preparadas com cuidado e tempo, durante toda uma tarde, cada tabuleiro um processo alquímico em que a simplicidade dos ingredientes resulta em biscoitos que se guardam em taleiga, até arrefecerem e então passarem para a lata “das bolachas” (as fantásticas caixas-lata da Triunfo, ganhavam novo uso nesta altura; sim! os nossos avós já praticavam a arte de reutilizar e reciclar).
Dezembro é um bom mês para biscoitos. Biscoitar permite juntar na mesa da cozinha os mais novos e os mais velhos, ensinar e aprender de forma lúdica, num tempo dedicado a plena e verdadeiramente saborear, sem que a idade ou o tempo cronológico sejam convocados. Dezembro é mesmo um bom mês para reaprender a biscoitar. Seja para recuperar receituário antigo ou mesmo tentar recriar sabores transmitidos de geração em geração e que nunca se traduziram em palavra escrita, seja para criar novas receitas e assim manter viva a ancestral tradição em que se baseia a singularidade da Mesa Portuguesa: aprender vendo e participando na arte de fazer acontecer alquimia dos alimentos.
Os biscoitos – “massa cozida duas vezes” – têm a enorme vantagem de poderem ser guardados e saboreados mais tarde, mantendo toda a frescura, o que permite criar ofertas gustativas personalizadas e únicas para amigos, familiares ou mesmo conhecidos com quem nos cruzamos no dia-a-dia e que, sem que disso verdadeiramente nos demos conta, fazem parte da nossa história. Biscoitos são miminhos que se podem revelar verdadeiras sementes de Alegria tanto para quem recebe como para quem prepara e partilha.
Regressemos aos nossos “beijinhos”. Base simples, tamanho pequeno, coroado com pequena flor-suspiro de açúcar, em tom claro (rosa, azul ou branco), um pequeno apontamento doce que surpreende o palato. Tradição de Coimbra, os “beijinhos” mantêm a contemporaneidade em grande medida devido ao fantástico trabalho de grupos folclóricos e etnográficos que nos continuam a presentear com a singularidade do nosso receituário a par com uma dinâmica cultural, onde a simplicidade se revela verdadeiramente gourmet. Sabia que na baixa de Coimbra podemos encontrar estes nossos “beijinhos”?
Para que não haja desculpa e ao mesmo tempo se dê um singelo contributo para recuperar uma tradição da imprensa escrita, aqui fica uma receita de …”Biscoitos de la Reina: batem-se em um tacho espaço de três horas quinze ovos, tirando a clara a cinco, com um arrátel de açúcar de pedra em pó; como estiverem batidos, deitem-lhe um arrátel de farinha, mexendo-a até que se incorpore com eles, cortem-se sobre papel do comprimento de um palmo, e de altura de um dedo, metam-se no forno com açúcar em pó por cima. Como estiverem meio cozidos, tirem-se fora, despeguem-se do papel com uma faca e metam-se outra vez no forno a biscoitar” (em “Arte da Cozinha”, de Domingues Rodrigues).
Biscoitos são beijinhos à Mesa da Portugalidade, porque há sempre lugar para mais um saber Ser sabor Humano. Brindemos aos novos começos e espalhemos sementes de Alegria.
Até já e … tertuliemos “coisas” boas!