Falou-se de poesia. A poesia foi celebrada. Pelos mesmos. São sempre os mesmos a celebrar. E eu que não pertenço ao grupo dos badalados do poema, não fui chamado, nem achado. Mas tenho a ventura e o privilégio de ser lido pelos amigos de O Despertar.
E até calhou bem, venero, em solidão, a minha poeta de eleição – Sophia de Mello Breyner Andresen. E falo-lhe do mar: – como ela amava o mar, – como ela amava o mar!
I
Ó Sophia,
Estás longe no frio Panteão,
E não podes vislumbrar,
O mar.
Aquele mar,
Que hoje vi espreitar p´la porta da minha casa.
E dou-te razão, senti num golpe d´ asa,
“Metade da minha alma é feita [ ficou feita] de maresia,
Tal como a tua.
II
Fui um caixeiro-viajante,
Já corri mundo.
Mas mais que tudo,
Continuo a amar o mar profundo.
Aquela praia do Pedrógão invernosa,
Crua, nua, mas saborosa.
Foi aí que me ajuntei ao mar,
Ao vento do Norte e à Lua cheia.
P´ra sempre.
III
Acordo ao meio-dia. A noite foi alta. É Agosto.
O Sol brilhante e quente, estala o corpo.
A luz cai implacável, a gosto.
Os homens da praia vão ao mar angariar sustento.
O mar, está calmo, sereno, azul,
Lá longe, a apontar a Sul.
IV
Sophia, grande e nobre poetiza,
Acabou de cair um grande nevoeiro sobre o mar,
Tudo fica qual cinzento,
Pardacento.
Como a tua alma ficaria, Sophia.
Mas ouço o rom – rom das ondas,
E apenas lá longe vejo, uma luzinha trémula,
De algum barco perdido.
Fico dormitando o silêncio da razão,
E que penso eu?
Faz-me falta o teu azul,
Mesmo aquele do quebra-mar,
Ó mar.