26 de Setembro de 2023 | Coimbra
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Orlando Fernandes

SEMANA A SEMANA- JOÃO GALAMBA INSUSTENTÁVEL

2 de Junho 2023

João Galamba pode continuar colado à cadeira do poder, mas, enquanto ministro, tem a sua credibilidade política profundamente abalada e revela uma falta de sentido institucional. A teia de contradições que resultam das audições, na comissão parlamentar do inquérito à gestão política da tutela ministerial da TAP, quer do ministro das Infra-estruturas, quer da chefe do seu gabinete, Eugénia Correia, quer do ex-adjunto Frederico Pinheiro, demonstram um comportamento absurdo na forma como o ministério funcionava e uma completa ausência de sentido de Estado e de respeito pelas instituições.

Estou convencido de que nunca será apurada a verdade de toda esta telenovela rocambolesca, mas a forma como João Galamba apresentou a sua versão dos factos na CPI demonstra um responsável governativo que está à defesa, tentando sobreviver politicamente que desvaloriza a gravidade do que se passou no seu ministério, que se esconde atrás do depoimento feito na véspera pela chefe do seu gabinete, que se aplica a descredibilizar o seu ex-adjunto e que continua a envolver outros membros do Governo e o próprio primeiro-ministro.

Nas longas sete horas que durou a audição, João Galamba normalizou o facto de alguém – que diz não saber quem é – ter mandado fechar o ministério para que o ex-adjunto Frederico Pinheiro não saísse, o que configura sequestro, um eventual crime que João Galamba desvalorizou. Isto ao mesmo tempo que continuava a insistir na ideia de que Frederico Pinheiro tinha roubado um computador com informação de Estado, sem nunca dizer realmente de que tratava – o Expresso noticiou que em causa estavam informações sobre cabos submarinos. Mais: João Galamba acusou o ex-adjunto de ir ao ministério a “horas impróprias” para “tirar muitas cópias e impressões”.

Demonstrou uma total ausência de conhecimento – ou uma propositada ignorância – da importância que, neste caso, tem o recurso aos serviços de informações. Continuando a não esclarecer e a assumir os contornos que a intervenção do SIS teve e apresentando até pormenores que mais adensam a gravidade desta intervenção. Começa por se colar à chefe de gabinete, confirmando que a decisão de accionar o SIS foi de Eugénia Correia, para horas depois assumir que a indicação lhe foi dada e ele mesmo pelo secretário de Estado adjunto do primeiro-ministro, António Mendonça Mendes.

Escondeu-se atrás da chefe de gabinete não só em relação à participação do caso ao SIS, como o faz em relação a todos os episódios irregulares que se passaram, na noite de 26 de Abril, no Ministério das Infra-Estruturas, desde desvalorizar o eventual sequestro de Frederico Pinheiro à eventual violência física. Repetindo sistematicamente que não estava lá e colando-se à versão dos factos apresentada à CPI, na quarta-feira, por Eugénia Correia.

O ministro das Infra-Estuturas prosseguiu na cavalgada de envolver e responsabilizar membros do Governo em todo o caso. Na conferência de imprensa que deu a 29 de Abril, tinha assumido que telefonou ao primeiro-ministro, que não atendeu porque “estava a conduzir”, segundo João Galamba. Telefonou ao secretário de Estado adjunto do primeiro-ministro, António Mendonça Mendes, que estava junto do secretário de Estado da Digitalização e da Modernização Administrativa, Mário Campolargo, acrescentou João Galamba. Tendo, então ainda assumido que telefonou à ministra da justiça, Catarina Sarmento e Castro.

Na quinta-feira, perante a CPI, João Galamba continuou a puxar membros do Governo para a confusão, qual náufrago que, no desespero de se salvar, não hesita em, afogar os que estão à sua vota num mar revolto. Começou por revelar que o seu primeiro telefonema foi para o ministro da Administração Interna, José Luís Carneiro, para que o pusesse em contacto com a PSP. Horas depois, revelou que afinal tinha sido o secretário de Estado adjunto a dizer que tinha de participar aos serviços de informações. E acabou a audição envolvendo directamente o primeiro-ministro António Costa, ao afirmar que falou com ele ao início da madrugada de 27 de Abril.

É bom lembrar que o Presidente da República pediu publicamente a demissão do ministro das Infra-Estruturas e que o primeiro-ministro o recusou. O mesmo Marcelo Rebelo de Sousa que na quinta-feira, ao receber a selecção nacional de andebol em cadeiras de rodas, aproveitou a sua intervenção para deixar implícito o que continua a pensar sobre todo este caso. “É uma ilusão achar-se que se pode ser importante sem pagar o preço que se pode ter poder sem ter responsabilidade. Isso não existe. Também no vosso caso é assim”, afirmou, par insistir na ideia de que “o prestígio das instituições é fundamental, é mais importante do que a economia, a sociedade”.

O primeiro-ministro pode, como disse que faria, aguardar pelo fim da CPI para, só então, tirar as conclusões e – “doa a quem doer”, como tem referido – então decidir demitir João Galamba. Aliás, é bom recordar que esta CPI foi constituída por investigar a forma como se processou a indemnização de meio milhão de euros à ex-administradora da TAP Alexandra Reis, quando esta saiu da TAP, pagamento que foi autorizado pelo ex-ministro das Infra-Estruturas Pedro Nuno Santos depois nomeada por este ex-ministro para a administração da NAV. E posteriormente, na formação do actual Governo, ser convidada para secretária de Estado do Tesouro pelo ministro das Finanças, Fernando Medina. Não pode também ser minimizado o facto de que Pedro Nuno Santos será ouvido, na CPI, a 15 de Junho e Fernando Medita a 16, último dia previsto para audições na CPI.

António Costa pode querer manter João Galamba no Governo, para afirmar a sua posição de força e autonomia perante o Presidente da República. Ou pode optar por dar o passo e proceder a uma ampla remodelação. Mas de facto, e perante o país, João Galamba perdeu a credibilidade política e o sentido institucional da função que ocupa. Continua ministro no sentido em que o primeiro-ministro o mantém no organigrama do Governo.


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