O 25 de Abril foi há quase 50 anos, temos eleições legislativas há 47 e, ainda assim, tenho a sensação de que não conseguimos crescer e amadurecer como democracia. E não é pelos anos exíguos – vejamos os espanhóis, que normalizaram em menos tempo, partes da democracia que a nós nos escapam. A conversa incessante sobre eleições antecipadas, por exemplo, é um caso flagrante da imaturidade.
Por que carga de água temos primeiro-ministro, líder do PSD e Presidente da República comentando, ameaçando ou repudiando – mas sempre, trazendo o tema para a ribalta – uma possível dissolução da Assembleia da República? Quando tivemos eleições há um ano e existe uma maioria absoluta apoiando o Governo? Porque, quando não há crises políticas, gostamos de as inventar?
A resposta, em se tratando de Marcelo Rebelo de Sousa, é sim. Mesmo acreditando que não tem vontade de mostrar no palmarés presidencial mais uma legislatura interrompida, o recato é provação insuportável para a personalidade do nosso PR. Tem de comentar – mesmo quando o tema merece maior prudência. Tem de falar. Precisa de atenção mediática e de notícias sobre as suas palavras. Além, claro dos normais limites que o Presidente põe à ação de um governo – que com Marcelo com demasia se tornam públicos.
Se do Presidente da República se trata de compulsão, já não se entende por que razão no PSD parecem tão entusiasmados com a perspetiva de eleições antecipadas. A ponto de Luís Montenegro ter tomado a iniciativa de sossegar o Presidente da República, distanciando-se do Chega, sabida que é a alergia de Marcelo Rebelo de Sousa a um governo integrando a extrema-direita. No Twitter, os próximos de Montenegro afirmam que o PSD é alternativa credível ao PS já agora. Isto tudo a três anos das próximas eleições.
Muito bem no PSD podem usar a hipótese de eleições antecipadas para evidenciar como o Governo, ainda novo e de maioria absoluta, já está tão esgotado e nos proporciona todos os dias um travo de fim de ciclo político. Estão tão desorientados e desgovernados, os pobres, que toda a gente já só pensa nas próximas eleições, vejam bem.
Sucede que por muito quer o Governo pareça anémico, na verdade o tema eleições antecipadas também evidencia que o PSD não, está nada preparado para ser governo. E esta constatação não tem sequer que ver com o Chega e uma possível inclusão numa solução governativa. O problema do PSD está em si próprio.
Percebo que no PSD estejam contentes com as sondagens que consistentemente dão um empate entre o partido o Governo e o partido da oposição. Porém, também podemos ver tais números por outro lado: nem com um Governo desorientado, permanentemente revertendo a sua própria política (veja-se a TAP; vejam-se os malabarismos com as pensões), atolado em casos sérios de incompetência, incúria ou até abusos, o PSD descola do PS nas sondagens. Por lá, deviam perguntar-se a razão.
Por outro lado, falar de eleições antecipadas é dar ao Governo um dos poucos trunfos que tem nos últimos tempos. Como António Costa disse na sua última entrevista, os eleitores querem estabilidade, que lhes resolvam os problemas e não querem nem pensar em novas eleições. Aqui, tem razão.
O desejo pouco contido por eleições brevemente, ao contrário, não é nenhum trunfo o PSD. Revel só insegurança da atual liderança à volta de estar ainda a chefiar o PSD se as eleições acontecerem no calendário programado. Clamar por eleições antecipadas nem é colocar o partido acima dos interesses do país; é colocar a fação acima do bem do partido e do país. Diz-se de Passos Coelho que, em 2011, concluiu que ou iria para eleições no país ou iria para eleições no partido. Pode ser uma história apócrifa, mas cabe como uma luva coleante a Montenegro. Se as eleições legislativas não se apressarem, acontecerão já com outro líder social-democrata.
Ao PSD, na verdade, interessa que as eleições legislativas sejam o mais tarde possível. Quando o atual ciclo político estiver mais degradado. E, claro quando o PSD for uma alternativa sólida. Com discurso com substância.
Peguemos no pacote para a Habitação, por exemplo. Quem mais contribuiu para contrariar as piores propostas do Governo foram Carlos Moedas – afirmando que na autarquia lisboeta não aplicarão o arrendamento coercivo e, ao invés, se dedicarão à intervenção nas muitas casas camarárias a precisar de obras – e Cavaco Silva, lembrado o programa para erradicar barracas criado no seu último, Governo (de caminho fazendo grande elogio a Jorge Sampaio), Montenegro, pelo seu lado, pueril e inutilmente, chamou comunista ao primeiro-ministro. Moedas e Cavaco Silva fizeram política. Montenegro brincou aos tolinhos caceteiros desbocados.
Posso estar enganado, mas desconfio que o centro político e o centro-direita preferem para primeiro-ministro alguém fazedor e contundente, e não quem lança atoardas cheias de clichés tonitruantes mas vazios. Para piorar, Montenegro não tem experiência executiva (algo que os eleitores valorizam). É de uma insustentável leveza para candidato a primeiro-ministro.
Existindo umas improváveis eleições antecipadas e ganhando o PSD (algo que não dou por garantido) e conseguindo viabilizar o seu governo (com apoio à direita ou o PS), o que faria o PSD com isso? O que de diferente faia do PS, além de alterar o pacote para a Habitação? O que nos faz acreditar que seria mais eficiente a aplicar o PRR? Ficaria contente por se diferenciar em pormenores como mais exames e mais chumbos na Educação, uma ou duas PPP na Saúde e a revogação da eutanásia? Os eleitores bocejam.
Quer o PSD eleições antecipadas para repetir as duas últimas vezes no governo? Uns – poucos – anos e governo PSD só para os eleitores descansarem um bocadinho do PS, darem uma pedagógica ensaboadela eleitora aos socialistas e, a seguir elegerem-nos várias vezes, novamente, para governarem? Não é melhor aproveitarem esta longa legislatura para perceberem afinal a identidade do PSD, aprenderem a comunicá-la, conseguirem um líder credível – e, depois disso, proporem-se a governar por mais que o interregno mínimo indispensável entre governos PS?
Nas democracias maduras os governos terminam quando há eleições programadas, não quando as sondagens indiciam mudanças. O PSD que aproveite bem o tempo.