Isabel de Aragão marcou a história do país e mesmo do mundo. Rainha e Santa, transporta consigo, mesmo decorridos perto de 700 anos após a sua morte, uma mística e uma emoção indescritíveis, que envolvem pessoas de todas as faixas etárias e de todos os estratos sociais.
Todos os anos pares – exceção para este de 2020, fruto da pandemia – muitos milhares de pessoas invadem as ruas, homenageando a Padroeira na sua “visita” à cidade. Um verdadeiro “mar de gente” enche os locais por onde passam as procissões, muitos aguardando horas a fio, por vezes ao sol, para reservar o lugar que lhe proporcione a melhor visão e o conforto que a imagem da Santa lhe traz.
Um dos momentos mais emocionantes destas celebrações ocorre na Procissão da Penitência, realizada sempre à quinta feira ao início da noite, quando Santa Isabel desce à cidade, da sua Igreja em Santa Clara em direção à de Santa Cruz, onde permanece até ao domingo seguinte, quando regressa a “casa”, mais uma vez acompanhada por milhares de devotos.
Mas, nessa noite, quando a imagem da Santa chega à Ponte de Santa Clara calam-se as vozes e sente-se no ar o “peso” da emoção. É aí que, há cerca de 30 anos, o padre Jesus Ramos faz a “saudação à Rainha”, dirigindo-se-lhe na primeira pessoa, em nome de todos os fiéis, para lhe agradecer e para recordar o seu espírito de bondade e amor ao próximo.
Recorda que esta “mística”, se assim lhe poderemos chamar, “vem desde sempre”. “Parece que Santa Isabel já estava no coração dos conimbricenses e dos portugueses desde os tempos em que era Rainha e mesmo depois, quando ficou viúva e continuou a andar pelas ruas, a ajudar as pessoas e a curar os enfermos. É uma áurea que se foi criando e que cobre todas as faixas etárias e todos os estratos sociais, apesar de serem sobretudo os mais sofredores, os mais pobres e com maiores dificuldades, aqueles que a ela se dirigem, pedindo-lhe que interceda junto de Deus a seu favor”, realça.
Muito há a dizer sobre os feitos e sobre a bondade da Rainha Santa Isabel. O “milagre das rosas”, em que terá transformado em rosas o pão que destinava aos pobres quando confrontada pelo Rei, é dos mais conhecidos. Rezam também os registos históricos que depois da sua morte, a 4 de julho de 1336, em Estremoz, quando o seu corpo foi transportado para Coimbra exalava um cheiro a rosas. “Há aqui qualquer coisa de sobrenatural porque, apesar de ter vindo debaixo de sol, aqueles que a traziam parece que vinham por roseirais quando o corpo certamente devia entrar em decomposição”, recorda o padre.
Pouco tempo depois, começaram a surgir relatos de gente que se dirigia à Rainha e ao seu túmulo que estava erguido em Coimbra. O padre Jesus Ramos explica que, desde então, “o povo continuou a recorrer muito à Rainha, indo ao seu túmulo, que passou a ser um local de peregrinação”.
As procissões continuam a ser um exemplo dessa devoção. A primeira grande celebração na cidade ocorreu em 1625, quando foi canonizada pelo Papa Urbano VIII, num período em que o país estava ainda sob o domínio dos reis de Espanha. “Houve grandes festejos em Coimbra nesse século XVII. Depois há ali um período largo que não sei se fizeram festas ou não mas foram retomadas em grande no século XIX”, recorda o padre Jesus Ramos.
As celebrações mantêm-se até hoje. Sobre a “Saudação” propriamente dita, o pároco explica que, ao longo destes perto de 30 anos, procurou fazer sempre “uma aproximação à atualidade”. Admite que nem sempre foi assim, tendo muitos dos seus antecessores optado por evocar e fazer uma reflexão sobre a vida da Rainha Santa.
“Eu optei por esse sistema de fazer a saudação direta, dirigindo-me à Rainha. Agindo como se fosse um vassalo, declaro-lhe o amor da cidade e dos seus habitantes. Falo, no fundo, em nome de todos perante a imagem da estátua que representa a sua própria presença. Penso que este sistema envolve as pessoas porque sentem também que, através da minha voz, estão a falar com a Rainha e a mostrar-lhes o seu carinho e gratidão”, realça.