22 de Abril de 2025 | Coimbra
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João Pinho

RAINHA SANTA ISABEL: Apontamentos históricos e biográficos

8 de Julho 2022

As origens aragonesas e a vinda para Portugal

O local e ano de nascimento de Isabel de Aragão não reúnem consenso entre os estudiosos. A maioria aponta a cidade de Saragoça, no palácio real de Aljafería, enquanto outros apontam Barcelona, situando o acontecimento entre 1269 e 1271, tendo recebido o batismo, segundo a tradição, na Catedral de Saragoça.

Isabel de Aragão era filha de Pedro III, rei de Aragão e Sicília, e de Constança de Hohenstauffen, princesa de Nápoles – duas das mais ilustres famílias aristocráticas europeias. O avô paterno, Jaime I, o Conquistador, nutria pela neta um grande amor, ao ponto de lhe chamar “rosa da Casa de Aragão», considerando-a a melhor mulher ali formada.

Da sua tia-avó, Isabel da Hungria, herdou não só o nome, mas parte do exemplo de vida: a espiritualidade franciscana, desenvolvida não só na proteção especial aos pobres e obras de caridade, mas também, o milagre das rosas, que se tornará distintivo de sua sobrinha–neta.

Em 1280, e no encontro de Tolosa, estabilizaram-se as complexas relações políticas entre França, Aragão e Castela, acordando-se o casamento de Isabel de Aragão, de apenas 11 anos, com D. Dinis, que veio a concretizar-se, em Barcelona, por procuração, a 11/02/1281. O casamento foi, também, uma oportunidade política: a união com Aragão era preferível e mais desejável do que com Castela, que sempre manifestara ambição em possuir toda a Península.

  1. Isabel entrou no reino de Portugal por terras de Bragança. Dali partiu para Trancoso onde chegou no dia 26/06/1282 para celebrar os esponsais. Do casamento nasceram dois filhos: Constança (1290) e Afonso (nascido em Coimbra em 1291). O casal régio chegou a Coimbra na tarde de 15/10/1282, instalando-se na cerca de Santa Maria de Celas, antes da entrada solene na cidade.

Neta, filha, esposa e mãe de reis levou uma vida esgotante em prol da concórdia, em especial na guerra aberta entre o marido e o filho, que a lançou num profundo desgosto. A paz definitiva seria conseguida entre 1323 e 1324 após novo episódio dramático: D. Afonso abre guerra a seu pai e D. Isabel, solícita a evitar a luta, parte de Lisboa rumo ao lugar da contenda, montada numa mula.

Ao nível diplomático realçam-se várias intervenções nos negócios da política peninsular, de que foram exemplos: em 1289 desempenhou papel preponderante na conciliação entre o rei e o poder eclesiástico, culminando com a publicação pelo Papa Nicolau V, da bula «Cum olim»; em 1297, foi decisiva na obtenção do tratado de Alcanizes, entre os Reis de Portugal e Castela.

Isabel de Aragão foi devota de Santa Clara, a fundadora do ramo feminino da Ordem Franciscana, religiosas conhecidas como clarissas, que se destacavam pela atividade espiritual e assistencial. Influenciada por esse modo de vida, a Rainha protegeu mosteiros, hospitais e igrejas. A sua testamentária é, a este nível, esclarecedora: no codicilo ao testamento, datado de 12/03/1328, lega o Paço Real de Coimbra para um hospital, onde deviam ser acolhidos 15 homens e 15 mulheres «pobres de vergonha e de boa vida».

Coimbra: a terra amada até ao fim dos seus dias

De facto, Coimbra foi a terra preferida de D. Isabel de Aragão: Princesa, Rainha de Portugal e Santa da Igreja Católica. As recordações da sua existência, passados 686 anos da sua morte, perduram na cidade, no país e além fronteiras, de forma intensa. Amada e venerada pelo povo, transmitiu-se o seu culto, muitas vezes fervoroso, de geração em geração. Nas terras da freguesia de S. Francisco da Ponte (depois de 1854, Freguesia de Santa Clara), residiu Santa Isabel enquanto casada (1282-1325), fixando morada definitiva após enviuvar (1325-1336).

Em Coimbra, a sua grande atenção centrou-se na fundação do Mosteiro de Santa Clara (a Velha):

  1. a) Num primeiro momento, protegendo D.ª Mor Dias, que vivera no Mosteiro das Donas de Santa Cruz, mas que por divergências com esta comunidade, decidiu fundar um mosteiro da ordem de Santa Clara. A 28/04/1286, na propriedade pertença de D.ª Mor Dias, lançou-se a primeira pedra do edifício, dedicado a Santa Isabel e Santa Clara. O falecimento de Mor Dias, a 12/02 daquele ano, deu alento aos crúzios que nunca aceitaram este empreendimento, os quais, com o apoio do Bispo de Lisboa, D. João de Soalhães obtêm sentença, de 02/12/1311, pela qual se extinguiu o mosteiro.
  2. b) Isabel de Aragão conseguiria, contudo, a restauração do Mosteiro de Santa Clara de Coimbra: a 10/04/1314, o papa Clemente V concede licença para a refundação; em 1316 lançou-se a primeira pedra; instalando-se as primeiras religiosas no ano seguinte. A Rainha dotou a comunidade com meios de sobrevivência: novas casas para as religiosas, igreja e o hospício (confirmado e instituído por João XXII em 1327). No testamento da Rainha, de 22/12/1327, deixou ao mosteiro recursos importantes para complemento da obra, dirigida pelo arquiteto Domingo Domingues.

A restauradora ficou de tal modo ligada ao espaço que ordenou, em janeiro de 1325, a construção do seu próprio mausoléu na igreja, obra do catalão Mestre Pero, executada entre 1329-1330 – onde foi colocado após a sagração de 08/07/1330.

A predileção por Santa Clara não se esgotou nesta obra, decidindo construir nas proximidades do mosteiro, um paço para sua residência. Não sabemos com exatidão quando ficou concluído, mas na bula de 27/10/1322, pela qual o papa João XXII concede autorização para a fundação de um hospício para pobres, afirma-se que o mesmo ficava junto dos paços reais.

Aquele hospício foi outra empresa da Rainha: compreendia capela hospitalar, altares e cemitério, tinha capacidade para acolher 30 pobres. Ao contrário do que pretendia inicialmente, o hospício e asilo foi inaugurado ainda em sua vida (algures entre 1328-1336) com a denominação de Hospital de Santa Isabel.

Com o crescimento da comunidade religiosa começou a desenvolver-se, em seu redor, um novo burgo. Inicialmente constituído por algumas casas modestas, dependências do paço régio e hospício, esteve na origem ao Burgo de Santa Clara.

Em junho de 1336 chegou-lhe a notícia da guerra entre seu filho, Afonso IV e seu neto, Afonso XI de Castela. Apesar dos seus 65 anos pôs-se a caminho de Estremoz na busca da paz. Os conselheiros, devido à idade, calor e distância, alertam-na para o perigo da jornada, respondendo decidida: «prefiro morrer a ver rebentar a guerra».

Chegando a Estremoz, pelo final do mês, o seu corpo, já debilitado, seria atraiçoado pela doença, contraindo, possivelmente, o carbúnculo, vindo a falecer a 04 de julho, na sala do Castelo da Vila, nos braços da Rainha D. Beatriz, sua nora desvelada, e tendo junto a si o Rei D. Afonso, seu filho.

No dia seguinte, de tarde, iniciou-se o cortejo fúnebre, de Estremoz para Coimbra. Na quinta-feira, dia 11 de julho, deu entrada no Mosteiro de Santa Clara, ao som do Requiem aeternam. Depositado o ataúde na igreja, as exéquias ficaram marcadas pelas imensas manifestações de dor das gentes de Coimbra. A veneração conduziu ao excesso, consumando-se a violação do ataúde; o pano de púrpura que o forrava foi logo rasgado aos pedaços, transformados em relíquias, e levados pelos fiéis para religiosa devoção – e essa adoração popular foi a primeira manifestação clara de culto público à Rainha Santa Isabel!

Foi sepultada no dia seguinte, sexta-feira, 12 de julho, levando o bordão com as conchas, insígnia de romeira de Santiago que lhe fora dado pelo arcebispo de Compostela, e a bolsa das esmolas. À data da sua morte já o povo a apelidava de Rainha Santa, fruto das virtudes e santidade bem conhecidas. E, entre os seus múltiplos milagres e intercessões divinas, destacava-se já o bem conhecido Milagre das Rosas.

Da beatificação à canonização

Coube a D. Fr. Salvado Martins, Bispo de Lamego, dar os primeiros passos para a beatificação. Quase dois séculos volvidos, o Papa Leão X dava sequência à petição de D. Manuel I passando, a 15/04/1516, o breve de beatificação, que reconhecia D. Isabel com o título de beata, mas restrito à Diocese de Coimbra. Estava, assim, autorizado o culto público e solene a D. Isabel em Coimbra, e a rainha elevada aos altares.

Desta forma começaram os primeiros atos de culto solene, que culminaram com a consagração do dia 4 de julho, data do seu passamento, à festa da bem-aventurada Rainha, celebrada pela primeira vez a 4/07/1517.

A 02/01/1554 morre o príncipe herdeiro D. João, único filho de D. João III, temendo-se pela extinção da dinastia. O nascimento do príncipe D. Sebastião, foi na época visto como um dom divino, fruto da intercessão da Rainha Santa. A partir de então começou a ser considerada protetora e defensora da nação portuguesa!

  1. João III dirige nova súplica a Roma pedindo autorização para que em todo o reino seja venerada e festejada com culto solene. O Papa Paulo VI atende o pedido e concede a faculdade a 21/01/1556. O ofício e missa da Santa Rainha seria celebrado em Lisboa, pela primeira vez, a 04/07.

Em 1560 fundou-se, na capela sepulcral, a Confraria da Rainha Santa Isabel tomando sobre si o encargo do culto solene ordinário da padroeira. Uma decisão da abadessa de Santa Clara, D. Ana de Meneses, que contou com o patrocínio da Rainha D. Catarina, conduzindo a incremento notável do culto da rainha em Coimbra.

O seu compromisso data de 1647 e foi reformada em 1891. Neste ano, e na sequência da extinção das ordens religiosas e após a morte da última freira, passou a deter a propriedade do imóvel e do legado patrimonial da antiga comunidade das clarissas sedeada em Santa Clara a Nova.

A canonização da Rainha Santa foi solicitada, pela primeira vez, pelo rei D. Sebastião, tendo o Bispo Conde D. Manuel de Menezes, instaurado e remetido para Roma o processo episcopal preparatório. No entanto, a petição para instaurar o processo apostólico de canonização foi preparada apenas no tempo e em nome de Filipe II, sendo apresentada ao pontífice em princípios de 1611.

A autoridade apostólica foi delegada em três juízes, o primeiro dos quais, o Bispo de Coimbra, D. Afonso Castelo Branco. A esta comissão juntaram-se procuradores régios que formaram um tribunal que funcionou na Igreja Paroquial de S. João de Almedina. No âmbito das diligências processuais abriu-se o túmulo real a 26/02/1612. Desviada a pedra do sepulcro e descoberto o caixão de madeira verificou-se que tudo estava como fôra colocado 276 anos antes: os primeiros objetos encontrados foram o bordão e a bolsa de peregrina a Santigo de Compostela.

O estado de conservação do corpo de D. Isabel surpreendeu os presentes. O corpo incorrupto causou enorme admiração e assombro, tendo o Bispo Conde mandado logo construir uma magnífica urna de prata e cristal, para nela se depositarem os restos mortais, os quais a partir de então ficaram expostos à devoção popular.

O processo de canonização seguiu para Roma, onde foi estudado por três auditores, remetendo-se o relatório final para a Congregação dos Ritos. Vencida a resistência de Urbano VIII, pela intervenção do cardeal Odoardo Farneso-Parma, Bispo de Frascati, que venerava D. Isabel como sua ascendente, foi possível a conclusão do processo.

A canonização solene teve lugar no dia 26/05/1625 (ano do jubileu), após aprovação unânime do colégio dos cardiais, estendendo-se o culto a toda a Igreja (25/05/1625). Em meados de julho, por volta do dia 9, a notícia oficial chegava a Coimbra; a cidade explodiu, repicando-se os sinos durante três dias e iluminando-se os edifícios durante três noites consecutivas.

Passadas as primeiras manifestações de alegria, começaram os preparativos para as festas pomposas: a 04/10/1625 houve procissão em que o Bispo D. João Manuel foi à Igreja de Santa Clara; sete ordens monásticas foram durante o oitavário, cada uma em seu dia, celebrar missa solene na mesma igreja; no oitavo dia de festa, Domingo, dia 12 de outubro, fez-se a procissão soleníssima pelas ruas da cidade, da Igreja de São Lázaro para Santa Clara envolvendo instituições da cidade como a Sé, Universidade e todas as igrejas e conventos; as irmandades e confrarias de Coimbra também solenizaram o grande acontecimento – a Santa Casa da Misericórdia de Coimbra celebrou, no dia 28 de setembro, uma festa na capela e, no dia 4 de outubro, distribuiu esmolas aos pobres, fazendo o mesmo na cadeia da cidade.

Seguiram-se as festas da Universidade, que se iniciaram na Sala Grande dos Actos, a 21 de outubro, com reunião dos corpos docente e discente e recitação duma oração latina em louvor da rainha. No dia seguinte, os doutores com as suas insígnias foram, em préstito solene, visitar o túmulo; por fim, abriu-se um certame poético em honra de D. Isabel.

O local da edificação do primitivo Mosteiro de Santa Clara revelou-se um desastre. A zona, frequentemente invadida pelas cheias do Mondego, tornou-se paludosa e as febres endémicas sobrevieram, obrigando as freiras a abandonarem a parte inferior. Era urgente acorrer não só ao mosteiro de Santa Clara,  pelo que Filipe I enviou a Coimbra o arquiteto Filippo Terzo para estudar as obras necessárias.

A 12/12/1647, D. João IV ordenou, por alvará, a mudança do Mosteiro de Santa Clara para o vizinho Monte da Esperança, encarregando D. António Luiz de Menezes, Conde de Cantanhede, da superintendência das obras. O beneditino Fr. João Turriano, lente de matemática na Universidade de Coimbra, delineou a planta e dirigiu a empresa. Na tarde do dia 3/07/1649, um sábado, véspera da festa da Santa Rainha, foi colocada e benzida a primeira pedra no novo Mosteiro de Santa Clara, após imponente procissão vinda do templo de Santa Cruz.

A 23 de Outubro abriu-se pela segunda vez o túmulo de pedra, para se observar o estado do caixão, decidindo-se fazer um novo, com ricos forros de brocado. O corpo foi extraído do sepulcro onde jazera 341 anos e mudado para o novo caixão. Ao fazer-se a mudança as mortalhas cederam e apareceu a mão direita da Rainha, que todos beijaram, fechando-se o caixão. A trasladação do corpo, do antigo mosteiro para uma sala por detrás do coro da igreja nova (pois esta não estava ainda concluída), e a transferência das freiras, realizou-se a 29/10/1677.

Já no reinado de Pedro II, sagrou-se a nova Igreja de Santa Clara (dedicada a Santa Isabel), na terça-feira, dia 26/6/1696. E, a 3 de julho, véspera da sua festividade, realizou-se a terceira trasladação do corpo santo: o caixão foi introduzido, de forma solene, no túmulo de prata, que tinha sido colocado na tribuna especial acima do altar-mor, por debaixo do trono.


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