23 de Abril de 2025 | Coimbra
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“Quero continuar a fazer diferença na vida das pessoas, porque a música é isso”

7 de Outubro 2022

O conimbricense Luís Travassos, de São Martinho de Árvore e Lamarosa, tem 31 anos e a música, nomeadamente o Fado é a sua paixão desde criança. Já pisou vários palcos, como o Meo Arena, e outros tantos mais pequenos, desde restaurantes, bares a eventos particulares. Ficou ainda mais conhecido pela participação no programa da SIC, “Ídolos”, em 2015, em que chegou à semifinal. Mas é também na Baixa de Coimbra que podemos encontrar este fadista a tocar e a cantar para quem passa. Luís Travassos sente que a música é o que quer fazer para a vida toda, marcando todas as pessoas com quem partilha uma canção, um sorriso e até a alma.

Como tudo começou?

A alma do Fado é aquilo que nós próprios carregamos. Mesmo também fazendo às vezes outro tipo de música, acabo sempre por ser e ter sentimento de Fado. E esta paixão surge através do meu padrinho que viveu em Lisboa durante algum tempo e acabou por trazer para a zona Centro o Fado de Lisboa e também para a minha vida. Passava férias com ele e lembro-me de cantar com o meu irmão e de ouvir muitas cassetes. Já a minha carreira profissional surgiu graças a um convite, quando tinha os meus sete anos, para cantar num palco. Eu não sabia se cantava bem ou mal, mas é certo que cantava. E partir daí comecei a perceber que havia algo de especial.

Quando é que percebeu que a música era o que queria fazer da vida?

Quando percebi que podia fazer uma carreira profissional foi na casa de fados Diligência, um espaço que neste momento está a ser alvo de uma tentativa de despejo e de demolição, mas estamos a fazer muita força para que isso não aconteça. É um espaço com história, onde cantaram fadistas e outros artistas de renome e se faziam tertúlias culturais. Esquecem-se que o que aconteceu ali faz parte da história de um país. Mas isto para dizer que este foi o espaço onde entrei pela primeira vez, numa festa de aniversário de uma amiga que sabia que eu cantava. Na altura, aquilo cheio de gente e eu envergonhado. Ela foi falar com o músico que estava a tocar para eu cantar. De repente as luzes apagam e só vejo uma viola no meu colo e imediatamente agarrei na viola e simplesmente cantei. E nessa primeira noite fui logo convidado para integrar o elenco da Diligência. Desde aí, comecei a cantar duas vezes por semana. Na altura estudava Agricultura Biológica na Escola Superior Agrária de Coimbra e não era fácil conciliar os dois mundos, estudar e cantar até de manhã.

Como chega a oportunidade de participar no “Ídolos”?

Um amigo que veio do Porto, que era contrabaixista, quis ir para a rua tocar comigo. Fomos para a Baixa de Coimbra, começámos a tocar e alguém filmou. Viram um vídeo meu e convidaram-me para participar num “reality show” e rumei, assim, a Lisboa, em 2015, para um “casting” e era o “Ídolos”. Apesar de ser fadista e se tratar de um programa de música pop, pensei que podia ser uma boa oportunidade de me dar a conhecer e assim foi. Fui semifinalista do programa “Ídolos”.

Essa participação foi uma alavanca para o sucesso?

Sim, sem dúvida. Mas para o bem e para o mal, pois acabamos por ficar conhecidos em todo o lado e isso é algo que a fama traz que não é muito agradável. Estares com a tua namorada, família ou amigos e estares constantemente a ser abordado, quando às vezes nem tens disposição para isso, não é assim tão bom.

Atualmente que tipo de trabalho musical faz?

Antes da pandemia tinha “tours” montadas e também tocava sempre na Diligência, nunca larguei a casa de fados. Depois comecei a ser convidado para atuar em bares, restaurantes e outros eventos particulares. Também estou a trabalhar com o Mercado Municipal D. Pedro V em noites de fado e nas Docas. Além disso, estou aqui no Tuca, que é a casa que sem dúvida alguma acolheu este projeto de rua e me deu mais força. O Robert, gerente deste espaço, veio do Brasil e é uma das pessoas que mais promove cultura, porque quer que as pessoas toquem aqui na rua, incluindo eu. A nível de grandes palcos já toquei, por exemplo, no Convento de São Francisco, com o António Zambujo e o André Sardet, e no Meo Arena. Agora vou rumar às Canárias durante uma semana.

E o facto de tocar aqui na Baixa de Coimbra?

A pandemia levou-me novamente a tocar na rua, e ainda bem, porque foi das melhores coisas que me trouxe. Foi abrir o meu horizonte, em vir cantar para a rua e oferecer isso às pessoas. O Luís Travassos, que era olhado e conhecido como um artista que pisou grandes palcos, agora também está aqui na Baixa e orgulhoso de partilhar a rua com amigos. E o facto de cantar aqui dá-me a sensação de que somos todos iguais.

E como é a ligação com as pessoas?

É fantástica e é algo que não se consegue, por exemplo, ter num palco. É chegar e ter uma pessoa à minha espera, que saiu de casa de propósito para me ir pedir para cantar um fado. É também o sorriso das crianças e das pessoas que passam e param para me ouvir. É ser público e artista ao mesmo tempo. Mas acima de tudo é sentir a gratidão das pessoas, em que sabes que alguém para e não coloca uma moeda por pena, mas sim para se sentar no chão e assumir aquele momento como um espetáculo e não como “um coitadinho que está a tocar na rua”. E isto tudo inspira-me para compor, pois acabo por ter à minha volta imensas histórias e pormenores, como um senhor que oferece uma flor à esposa. E isso já me aconteceu. É sem dúvida uma troca de coisas boas com algumas más à mistura.

Há pessoas que reconhecem o Luís Travassos quando está a tocar na rua?

Sim, muita gente mesmo. Também já tive concertos marcados graças a me terem ouvido a tocar na rua, incluindo em casas particulares, como aniversários. E, isso, é bonito.

O que prova que a música é muito mais do que cantar e tocar…

Claro. A música é um bem essencial e muda a vida das pessoas. Já houve gente a dizer-me que graças à minha música não cometeram loucuras na vida e isso marca-me de alguma forma.

E é isso que pretendes transmitir com as tuas músicas?

É uma pergunta complicada…a música pode ter várias interpretações. Uma canção minha pode ter um significado de algo bom para alguém e mau para outra pessoa. Cada um tem a sua interpretação e sensações diferentes. Até ouvir a mesma música pode ter diversos significados consoante as circunstâncias da vida que a pessoa está a vivenciar quando a ouve.

Ao longo destes cerca de 12 anos de carreira houve algum momento mais marcante?

Já toquei num funeral e talvez tenha sido a situação mais marcante e que me fez pensar no que realmente sou para as pessoas. Durante a pandemia criei o projeto “Luís Travassos no teu sofá”, em que ia a casa das pessoas tocar e cantar. Estava em casa de um senhor que tinha uma doença terminal e cantei a tarde toda. No final, a esposa pediu-me que quando o marido estivesse a sentir que estava para partir, se podia vir cantar para ele e aí eu disse que independentemente onde estivesse iria fazer de tudo para estar com aquela pessoa, naquele momento. Passado duas semanas recebi a chamada a dizer que aquela pessoa tinha partido e então fiz questão de cantar no funeral a música que gostava. Sei que ele foi descansado e eu também fiquei. Não é o cantar para milhares de pessoas, que é giro, que me marca, mas sim estes momentos em que sinto que fiz a diferença na vida de alguém. Isto é o melhor da música.

A propósito das músicas. Como surge o disco?

O disco, “Uma longa história”, surgiu com um grupo de amigos que tive oportunidade de conhecer através do fado. Depois o produtor e grande pianista Ricardo Dias, aqui da cidade, quis produzir o meu disco. As letras são minhas, sendo que alguns são fados tradicionais, mas com uma roupagem muito própria, com piano, guitarra portuguesa e baixo. Ainda não tive oportunidade financeira de lançar mais um álbum, embora tenha já um esboço de um novo disco, “De momentos vivem canções”, mas não posso adiantar muito mais.

Alguma música especial?

“A vida”. Foi a música mais rápida que escrevi, mas acho que foi o melhor tema que já fiz e que também aborda uma perda, é algo muito intenso. Mas chorar também faz bem. Quando se vai ao fundo chega-se a um ponto em que já não descemos mais, só subimos, nem que seja só um centímetro e, isso, já faz valer a pena.

Há algum sonho ainda por concretizar?

O primeiro é voltar a ser o que era, dentro e fora da carreira musical, pois há muitas coisas na minha vida que mudaram. Quero continuar a fazer a diferença na vida das pessoas para melhor, porque a música é isso mesmo. E, claro, cantar pela vida fora, sendo eu próprio.


  • Diretora: Lina Maria Vinhal

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