20 de Junho de 2025 | Coimbra
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Vasco Francisco

OS TRÊS PRESENTES

19 de Janeiro 2024

O novo ano surgiu caindo nas rotinas que são as mesmas, nas crises sociais e políticas que apenas transitaram de calendário, nas guerras que não apaziguaram, nos planos e momentos que continuam por viver, na mesma memória que não muda de tempos idos. É velha a insensata expressão, “ ano novo, vida nova”, na verdade, apenas se mudam os calendários, se inicia uma nova contagem na cronologia da História. Nada se estagna ou recomeça do zero, simplesmente tudo se trata de uma continuação e de mais uma razão para celebrar a vida. Talvez a vontade de um recomeço, de dias melhores ou de mudança, leve esta saudação de boca em boca.

O inverno vai-se sentindo no desabrochar de dias gélidos e nevados que conservam a verdura e a nudez das encostas onde se vai dissipando o fumo das fogueiras que ardem dando sinal de vida e da procura do conforto. O silêncio quebra-se no estalar de um foguete ou outro que assinalam as primeiras festas do ano, no repicar de leilões que se escutam de povoado em povoado, provocando a mobilidade do som um despique de leiloeiros nesses dias de descanso. Se alguns destes lugares saúdam a aurora dos dias em promontórios bélicos, numa nascença ao nível dos céus, ficam por sua vez os vales inundados em mantos brancos de névoa que pouco sol saboreiam nestes dias de inverno, dias curtos e sombrios, mas, se as arremedilhas que os sábios do povo teimam em fazer já só por costume, não permitindo as alterações climáticas uma previsão fiel como outrora, na crescença dos dias continua a não haver engano e se alegrem, pois, “a vinte de janeiro, uma hora por inteiro, e quem bem souber contar, meia hora há de achar.”

As noites entregam-se à mudez carregada, sendo as corujas e as galhofas a única sonoridade, como se só à fauna noturna o fosse permitido. Tudo se arrecata ao conforto dos lares. Nos currais o gado nem parece existir, apenas o leve barregar dos borregos, nascidos alguns nessa noite de Natal, dão sinal de presença, pedindo o sustento materno a poucos dias de terem visto a luz do mundo.

O lume vai ardendo na lareira onde a “chaleira” vai amornando o café para as primeiras merendas do ano. Uma abóbora menina, ressalva a cozinha de cores vivas, nesse laranja intenso que dará sabor às belhoses que fazem crescer água na boca durante todo o inverno. Na mesa, por enquanto festiva, pousam ainda os figos secos, desses pingo de mel secos num outono ido, umas passas de pera que restam à gula e o vinho fino, que desceu a Beira desde esse Douro poderoso e heroico, esse vinho mais poético que existe. Por perto, o presépio estende-se sobre o musgo de um verdeal já desidratado, estando ali há mais de um mês aos olhos de quem quiser ver o Natal. Assim, foi S.Francisco artista ao dar vida à representação de tão grande significado, senão o único do Natal, o nascimento. Tudo o resto só faz sentido com o nascimento daquele menino há dias ali deitado em palhas macias de centeio, o único cereal de pragana que que aqui resiste. Chegada foi a hora de saudar os três reis, esses Magos que vêm findar tal quadra festiva. No entanto as janeiras cantam-se todo o mês e são o prolongamento dessa alegria, daí tal representação ainda se poder contemplar em muitas casas.

Alegra-me ver ainda o fascínio dos petizes, tal como o que me foi incutido, a venerar de olhos curiosos todo o detalhe do presépio tradicional português. Todo o cotio rural e todos os quadros populares de um povo. Entre o casario e os montes onde há pastores e moinhos, há um castelo.

Ali ao pé, aquela tenra voz vendo três reis de mãos cheias não hesitou a qualquer pergunta: – “Que trazem eles ao menino?” – “Ouro, incenso e mirra.” – “Teve direito a três prendas?!”

A explicação seria morosa e naquela criança há minha beira só consegui ver no momento o mundo e o futuro. Se chegassem hoje aqueles homens de poder e de bem, trariam de novo três lembranças e que valiosas seriam, a paz, a concórdia e o amor, oferendas tão escassas à humanidade. Não será fácil unir a reflexão e torná-la global, mas cada um de nós poderá tentar oferecer estes tesouros ao longo da vida e acima de tudo poder senti-los.

A todos os leitores e amigos, um Bom Ano.


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