Ao longo dos séculos XVII e XVIII manifestou-se um crescimento demográfico acompanhado de vozes que se insurgiam contra a insalubridade derivada da decomposição de cadáveres no interior das igrejas. Analogamente, no verão e outono londrinos de 1665, desenvolve-se um surto de Peste Bubónica, resultante na morte de cerca de 90.000 pessoas. De igual modo, em 1666, ocorre o Grande Incêndio de Londres, durante o qual praticamente toda a cidade foi consumida pelas chamas. Tais factos levaram à necessidade de implementar novos paradigmas de urbanização no contexto das inumações.
Com a Revolução Francesa de 1789 difunde-se a laicização da sociedade, propiciando uma reinterpretação social da concepção de cemitério. No entanto, foi a Lei dos Cemitérios de 12 de junho de 1804, promulgada por Napoleão Bonaparte, que permitiu a cessação de enterramentos tanto em perímetros urbanos intramuros como em locais de culto (adros de igrejas e respetivo interior), favorecendo a oficialização do conceito de cemitérios modernos, determinados por áreas muradas, amplas e arborizadas, emblemáticas tanto do culto da morte como da memória dos defuntos, estando na génese da construção de um dos mais carismáticos cemitérios oitocentistas, o Pére Lachaise (1804), em Paris, caracterizado por um vínculo entre arte funerária, componentes bucólicos, espaços ajardinados, representativos tanto de um cemitério romântico como da identidade cultural francesa.
No contexto cemiterial português de meados do século XVIII, o Despotismo Esclarecido do Marquês de Pombal, durante períodos de elevada mortandade, promovia tanto sepultamentos em capelas distantes de povoações como nos adros de templos religiosos, justificando tais medidas com questões de insalubridade pública ou ausência de espaço para inumações na circunscrição interna das igrejas.
Durante o século XIX português, acontecimentos como as Invasões Francesas (1807-1810), a Guerra Civil Portuguesa (1832-1834) e uma epidemia de cólera (1833), produziram elevados níveis de mortalidade e insalubridade, desencadeando a criação dos Cemitérios dos Prazeres/Alto de São João, em Lisboa (1833). Neste enquadramento, prevalece uma reformulação do paradigma de inumações português, redundando na criação da Lei Cemiterial de 21 de setembro de 1835 assinada pelo Ministro Rodrigo da Fonseca Guimarães, a qual abona em proveito do conceito de cemitério público. Os pressupostos deste decreto contemplam o veto a inumações tanto nos adros e no interior das igrejas como no perímetro urbano, estabelecendo a criação de cemitérios públicos em todas as povoações, prevendo a punição de párocos que autorizassem sepultamentos fora da abrangência geográfica dos cemitérios públicos.
De igual modo, foram implementadas, por Costa Cabral, em 18 de setembro de 1844 e 26 de novembro de 1845, as Leis da Saúde. Estes editais determinaram a extinção definitiva de práticas associadas ao enterramento em igrejas, tendo os familiares dos defuntos de aguardar a emissão, pelo Delegado de Saúde, de uma certidão de óbito como pagar as despesas associadas aos encargos financeiros provindos de um funeral. Todavia, estas medidas originaram a Revolução da Maria da Fonte (1846), manifestação relacionada com a insatisfação popular no que diz respeito à desaprovação das Leis Cabralistas, entendidas como incompatíveis com a fé e tradições cristãs.
No caso de Coimbra, até à Lei Cemiterial de 1835, os enterramentos eram realizados nas igrejas e respetivos adros, no hospital instalado numa das alas do Colégio de Jesus, nas proximidades do Hospital da Nossa Senhora da Conceição (antigo Hospital Real de Coimbra, localizado na Praça do Comércio), no quintal do Convento de São Francisco e na Cerca da Roda dos Expostos.
Todavia, a aquisição de terrenos adequados à criação de um cemitério público era um investimento custoso. Para contornar esta contrariedade, verificou-se que, após a Extinção das Ordens Religiosas (1834), encontravam-se disponíveis cercas de antigos colégios religiosos, pertença da Fazenda Nacional. Esta estratégia permitiu aos municípios evitar gastar significativas quantias de dinheiro na compra de terrenos pois aproveitavam-se tanto os muros dos edificados religiosos para cumprirem a função de muramentos do cemitério como as igrejas inseridas nas cercas das ordens religiosas extintas, servindo o propósito de capelas das necrópoles. De igual modo, minimizavam-se objeções sociais no que concerne a enterramentos fora do perímetro das igrejas, visto manterem-se os sepultamentos em áreas consagradas.
O local concedido para a construção de um cemitério público em Coimbra foi a Cerca do antigo Colégio de Tomar (atual Penitenciária). Todavia, concluiu-se, aquando da tomada de posse do terreno (1843), que a área em causa não reunia condições de salubridade que justificassem a criação de um cemitério. Neste sentido, optou-se pelo Alto da Conchada, localizado no perímetro oeste da Quinta do Pio, cujos terrenos, pertença do Padre Joaquim Inácio de Miranda Pio e da Santa Casa da Misericórdia de Coimbra, beneficiavam de condições geográficas, geológicas e higiénicas que favoreciam a decomposição dos cadáveres, devido à presença de terra calcária, argila, sílica e ventos que afastavam miasmas provenientes dos enterramentos, não havendo na área fontes ou ribeiras que pudessem ser contaminadas. No entanto, a expropriação referente à aquisição do Alto da Conchada (1852), revelou-se um processo moroso, caracterizado por negociações difíceis ou delineação de plantas pouco explícitas, tendo originado protelações no desenvolvimento de obras no cemitério.
No entanto, uma segunda vaga de epidemia colérica (1855-1856), deu prioridade ao Cemitério da Conchada, devido à mortalidade elevada resultante em contexto conimbricense. Assim, foram concluídas a maioria das obras cemiteriais, nomeadamente desaterro e remoção de terras, construção dos muros do recinto, plantação de árvores, cantaria para o portão principal ou portão em ferro, tendo sido benzido e aberto a enterramentos em 1 e 22 de outubro de 1860, respetivamente.
Nos anos seguintes foram realizadas diligências para aprimorar o Cemitério da Conchada, das quais se destacam a aquisição do carro fúnebre, adquirido pelo Município em conjunto com a Santa Casa da Misericórdia de Coimbra (1865), a transformação da capela cemiterial em Jazigo Municipal (1924), a inclusão de um talhão dedicado à Liga dos Combatentes da Grande Guerra (1931) ou ainda a implementação de obras de conservação e restauro nas instalações de Administração e Portaria (2000), encontrando-se, atualmente, em Vias de Classificação pela Direção Geral do Património Cultural (DGPC), havendo, por parte da Câmara Municipal de Coimbra, propostas de eventual Classificação do Cemitério da Conchada como Conjunto de Interesse Público (CIP).
O Cemitério da Conchada revela uma pertinência fundamental para a memória conimbricense, considerando a presença de jazigos e monumentos funerários caracterizados por imagéticas revivalistas, no contexto das artes férreas e cantaria, concebidos por artificies da Escola Livre das Artes do Desenho, nos quais repousam personalidades cuja influência social, cultural, literária ou artística perdura na vivência da cidade, tais como João Machado, Daniel Rodrigues, António Augusto Gonçalves, Sobral Cid, Conde do Ameal João Maria Correia Aires de Campos, Adelino Veiga, Joaquim António de Aguiar.
É fundamental interpretar os cemitérios românticos oitocentistas como espaços de reflexão acerca da condição humana e valorização do património nas suas multifacetadas perspetivas, racionalizando a morte como uma parte integrante do discurso cívico, percecionando-a como uma abordagem holística em cenários patrimoniais cemiteriais e no âmbito do legado da Humanidade.