É o primeiro restaurante ucraniano em Coimbra. O “Família” abriu em novembro, depois de Andrii Hembar e a sua esposa terem fugido para Portugal por conta da guerra na Ucrânia. Além da comida tradicional do país dos seus fundadores, o espaço serve ainda comida portuguesa e francesa. Um conceito único na cidade, que tem agradado a quem o experiencia.
“70% dos nossos clientes queriam experimentar comida ucraniana, no entanto, também somos procurados por pessoas que querem provar pratos franceses e portugueses, já que nós fazemos sempre algumas alterações”, conta Andrii Hembar, responsável pelo “Família”, em declarações ao “O Despertar”.
As adaptações das receitas são, sobretudo, feitas por Kateryna. A sogra de Andrii trabalha na área da restauração há mais de 15 anos. Ao longo do seu percurso foi desenvolvendo técnicas de confeção de pratos ucranianos e franceses. Há cerca de um ano, – altura em que se mudou por Portugal -, descobriu também a gastronomia portuguesa. “No início, era difícil fazer os pratos de cá, porque nós temos outras receitas, mas, depois de seis meses, tornou-se mais fácil”, confessa Andrii.
As semelhanças gastronómicas
Apesar da confeção dos produtos ser diferente, a gastronomia ucraniana tem vários pontos de encontro com o que se cozinha em Portugal. “Nós também gostamos da batata e do arroz”, afirma Andrii Hembar. Deste modo, os ingredientes utilizados no “Família” são os mesmos; só muda a receita. “Por exemplo, no frango, nós inserimos manteiga com ervas e, depois, fazemos panado em panco. Na Ucrânia, precisamos de mais tempo para fazer os pratos. Já em Portugal, vocês têm receitas mais fáceis e rápidas: conseguem apenas passar o frango pela grelha”, revela ainda.
Para além dessa diferença em termos culinários, a chefe do “Família” também descobriu, no nosso país, possibilidades que não são tão comuns na Ucrânia. “Vocês têm muitos pratos com peixe e ela [Kateryna] adora”, adianta o responsável. Nesse sentido, não faltam opções nacionais na carta do restaurante, nomeadamente, a tradicional Chanfana, o Arroz de Marisco e o Polvo à Lagareiro.
Por outro lado, e no que diz respeito à comida ucraniana, o destaque vai para a “borscht”, uma sopa de beterraba tradicional do país, considerada Património Mundial da UNESCO; os “varenyky cozidos com batatas e cogumelos” ou os “varenyky fritos com carne”. Espaço ainda para as conhecidas “deruny”, uma espécie de panquecas de batata. Um dos pratos mais populares é o “frango à Kyiv”, em que a carne é recheada com manteiga de ervas e panada em panco.
Manter a ligação à Ucrânia
Andrii, a esposa e a sogra mudaram-se para Portugal devido à guerra na Ucrânia. Na verdade, ainda antes do conflito, Andrii já tinha viajado para o país para participar na Meia Maratona de Lisboa, em 2021. Como tinha dois bilhetes, trouxe a sua mulher consigo e garante que esta se apaixonou pelo clima e pelos próprios portugueses.
Assim, quando se viram obrigados a sair da Ucrânia não tiveram dúvidas: “morámos umas semanas com a minha irmã na Polónia, mas acabámos por optar por vir viver para Portugal”. Numa primeira fase, procuraram casa no Porto, todavia, a busca não correu como pretendiam. Os seus caminhos acabaram por cruzar-se com Gustavo, um português que se prontificou a disponibilizar-lhes uma habitação, em Coimbra, sem que estes precisassem de pagar renda enquanto não estabilizassem as finanças.
É por essa altura que a sogra de Andrii decide usar a experiência adquirida na área da restauração e, juntos, abrem o restaurante “Família”. De acordo com o jovem de 30 anos, este espaço ajuda a diminuir a saudade e a manter a ligação à Ucrânia. “Quando fazemos os pratos tradicionais ucranianos, nós estamos felizes”, sublinha. Não obstante, este acaba por transformar-se num lugar de encontros entre aqueles que partilham a mesma dor. “Recebemos a visita de outros ucranianos e conversamos muito”, acrescenta.
Coimbra: o novo lar
A designação “Família” surge do facto do restaurante ser, precisamente, um negócio de família. Um laço que nem a guerra conseguiu quebrar. Contudo, Andrii Hembar e os seus ente-queridos continuam perto daqueles que se mantêm na Ucrânia e cujo dia-a-dia é duro e incerto. “Todas as semanas, eu envio dinheiro para ajudar os nossos ucranianos”, confidencia o jovem.
Este admite ainda que acompanha, com preocupação, a situação que a sua terra natal tem vivido. “As pessoas que moram perto da Rússia têm muitos problemas e é muito perigoso, porque, todos os dias, os russos lançam mísseis”, lamenta.
A saudade vai apertando, mas Andrii tem dúvidas quanto ao regresso da sua família à Ucrânia, sobretudo, porque a sua mulher já se apegou a Portugal. “Talvez possamos viver nos dois países em simultâneo”, salienta. Todavia, essa é uma hipótese ainda longínqua, já que “de momento, não é possível voltar”, refere.
Por aqui, as palavras começam a sair de forma automática. A língua portuguesa é cada vez mais bem utilizada por Andrii, o que comprova que Portugal é já uma casa. Afinal, Coimbra parece ter a mesma atmosfera que Lviv, cidade ucraniana que o viu crescer. “Agora é tudo bom. Este é outro lar aqui em Coimbra”, conclui.