19 de Junho de 2025 | Coimbra
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António Inácio Nogueira

Ela Arde Cada vez Com Mais Desassossego

4 de Outubro 2024

Todos os anos assistimos ao mesmo espectáculo aviltante provocado pelos fogos. Vemos aldeias quase degoladas pelas labaredas, fábricas desmanteladas, o sustento de cada um devorado em minutos, lágrimas que escorrem pelas caras enrugadas da população idosa. Degradante e penoso espectáculo.

No entanto, cada vez enxergamos mais comandantes, mais estudiosos e especialistas, mais estruturas de coordenação e comando, mais helicópteros e aviões.

O fogo cria os seus elementos distractivos e avança, avança sempre, levando de vencida as cada vez mais especializadas tropas de combate.

Apesar de tudo, tudo na mesma.

Entrementes, li um artigo, no jornal Público, de João Miguel Tavares (21 de Setembro de 2024), intitulado Portugal Tem Floresta a Mais. Ela Arde Mas Não Para de Crescer. O autor cita o geógrafo José Rios Fernandes, informando que apenas 7% do território era ocupado por floresta até ao século XIX. Nos dias de hoje, são 36%, sendo Portugal um dos países mais florestados do Mundo.

Acrescento eu: em certas áreas do Centro e Norte do país, quase tudo é floresta, ela progride por vales e veredas, barrocais, nalguns casos inacessíveis.

Grandes e pequenas árvores, das mais diversas espécies, com predominância para o pinheiro e eucalipto, erguem-se de um solo que é um tapete de ramos e raminhos, pequenos arbustos. Tudo isto é uma autêntica bomba, plena de estilhaços, pronta a deflagrar em qualquer momento.

Com a desertificação crescentemente visível do interior, a floresta prosperou por todo o lado, rodeou as aldeias, perigosamente, porque às encostas íngremes dos barrocais já ninguém vai.

Talvez a nossa saga dos fogos na floresta (de desesperança), tenha começado na usurpação dos baldios ao povo. No entanto, mesmo depois do 25 de Abril, nunca os diversos governos (de qualquer quadrante político), tiveram golpes de asa para solucionar o problema, apesar dos milhões gastos ano após ano..

O João Miguel Tavares, sugere-nos a leitura do livro do grande escritor Aquilino Ribeiro, sob o título Quando os Lobos Uivam. Tirem as vossas conclusões

Como ajuda, aqui vos deixo uma sinopse do livro:

Serra dos Milhafres, finais dos anos 40, o Estado Novo resolve impor aos beirões uma nova lei: Os terrenos baldios que sempre tinham sido utilizados para bem comunitário e onde essa comunidade retirava parte vital do seu sustento, seriam agora “expropriados” e esses terrenos utilizados para plantar pinheiros. Assim, sem mais nem menos, o Estado chega e diz que, a partir daquele momento, acabou. Implanta-se um clima de medo nas gentes e é esse clima que Manuel Louvadeus, que havia emigrado para o Brasil anos antes, vem encontrar quando regressa à aldeia. Homem vivido e culto devido, segundo o próprio, aos muitos livros que por lá havia lido, Manuel tem uma visão para os dois lados e um sentido de justiça que rapidamente o fazem cair nas boas graças das gentes do povo. Toma então parte da sua gente, homens honestos e humildes que trabalham de Sol a Sol mas que não deixam de viver em condições miseráveis. A revolta acaba por suceder e entre mortos e feridos tudo acaba numa caçada aos homens por parte da polícia que leva muitos homens à prisão acusados de serem instigadores e cérebros da revolta. O Estado mostra então todo o seu esplendoroso poder. Aqui representado está a saga dos beirões na defesa dos terrenos baldios perante a ditadura do Estado Novo.

Talvez a desdita tenha começado aqui!…

 


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