As recentes eleições presidenciais mostraram que existe no panorama político-partidário nacional uma força em nítida ascensão, a ter em conta no presente e no futuro. Tem nome, tem líder, tem rostos e conseguiu meio milhão de votos – o que lhe confere legitimidade e representatividade popular.
Para mim, que há muito me entreteço nas entrelinhas da História, esta nova realidade não apresenta nada de extraordinário: um discurso populista, aqui e ali eivado de demagogia, de aparato fascizante, com laivos de extremismo q.b. Espécie de réplica dos terramotos políticos e sociais trazidos por Le Pen, Trump ou Bolsonaro, com os quais o Chega se alinha e define ideologicamente.
A grande novidade, na verdade, emerge da forma como os demais partidos têm lidado com o aparecimento e crescimento do Chega no panorama nacional: uns desprezam-no, outros omitem-no, alguns gozam, ou assobiam para o lado. Fazem, na verdade, tudo aquilo que o Chega pretende: ter a voz de vítima, comportamento de ofendido, sentimento de injustiçado, agindo como uma guerrilha – cenário que, como os militares bem sabem, raramente é vencido.
Num momento em que entre nós o centro-direita está em crise, e também uma certa esquerda da esquerda, o Chega entra no momento certo, erguendo as suas bandeiras. Com uma ideologia clara, desenvolve de forma articulada a cartilha que um certo povo – triste, abandonado, cansado e injustiçado por uma democracia que não chega a todos – gosta de escutar, prometendo combater, qual justiceiro nacional e patriótico, os males que nos corroem a sociedade política – corrupção, favorecimento, jogos de interesses, entre outros…
Não fosse aquela tarde em que Ventura se deixou levar pela arrogância e ou soberba (ou algum copito a mais, sabe-se lá), embirrando com o avô Jerónimo e os lábios de Marisa, e o país estaria ainda mais perplexo perante os resultados eleitorais.
Com as eleições autárquicas a caminho, e um governo cada vez mais desgastado pela crise pandémica, adivinham-se dias de bonança para o Chega, por muito que queiramos ou desejemos que assim não seja. A não ser que o sistema político combata olhos nos olhos o pequeno monstro que deixou crescer no seu regaço.
Como é possível que um partido tenha sido legalizado à luz de leis democráticas e desenvolva, posteriormente, um programa político e social contrário aos mais elementares Direitos Humanos, sem ser visado pelas instâncias nacionais ou europeias?
O Chega sempre disse ao que vinha e o povo não é burro! Alguém, com responsabilidades, tem andado distraído, muito distraído, atrevo-me a dizer. E não é, certamente, uma certa comunicação social, que tem procurado agir sem ventura, mais como juiz do que testemunha, contribuindo assim para a causa que move os saudosistas de um tempo que se pensava enterrado em definitivo.