Apesar de viver nessa humilde ambiência, concluiu o curso do ensino primário, com a nota de “distinção”, que representava, como então era vulgar referir, um grau médio de cultura geral, tendo em conta o acervo dos conteúdos lecionados e as exigências dos ilustres professores. Porém, as dificuldades anteriores agravaram-se com a morte extemporânea do seu avô materno, em consequência da qual a maior parte dos descendentes do agregado familiar – composto agora pela avó, 5 filhas, 3 filhos e 3 netos – foi para a cidade do Porto à procura de melhor situação económica e social, reduzindo-o ao nosso personagem, então com doze anos, e à sua avó, que o mesmo é dizer que ficou entregue a si mesmo, enquanto ela – que sofria de problemas cardíacos -, foi passar cerca de três meses junto de duas filhas, que residiam no Porto, a fim de poder ser tratada daquela sua enfermidade.
Em consequência do desmembramento da família, a sua avó não teve outra solução senão a de entregar o cultivo das terras ao senhorio, ficando sem aquele meio de subsistência para se alimentar a si e ao seu neto. Valeu-lhe ter amealhado uns tostões, assistindo aos partos, na qualidade de parteira (curiosa), aliás, com grandes êxitos não só naquele, como nos concelhos vizinhos, sendo, por isso, muito conceituada, até pelos próprios médicos, que a ela recorriam, quando necessário, para a família. Entretanto, o nosso menor, estando como que abandonado, temporariamente, mas revelando já um precoce sentido de responsabilidade, deu por si a refletir, seriamente, no seu futuro, porque se ficasse na sua terra só lhe restava ser moço de lavoura, como era designado o emprego na agricultura, – o que de modo algum lhe interessava, pois aspirava a mais altos voos.
Decidido, não hesitou, e se bem pensou melhor o fez: “raspou-se” para junto dos seus pais e dos dois irmãos mais velhos – que trabalhavam e viviam no Porto -, onde se instalou com armas e bagagens, à espera de melhores dias. Contudo, sofreu alguma deceção, ao confrontar-se com umas instalações subarrendadas e um tanto insuficientes para a albergar toda a família, mas não se arrependeu – , porque sempre eram muito melhores do que as da sua terra – e logo apelou no sentido de lhe conseguirem um emprego, porquanto não suportava ficar parado em casa, sem nenhuma perspetiva de arranjar um emprego, fosse em que lugar fosse. Parado é que nunca…?
Foi então que, por intermédio de um seu tio, o seu irmão do meio – que trabalhava numa fábrica de louça de alumínio, lá para os lados do Bonfim – , pediu ao patrão dele que empregasse lá também o seu irmão, ao que o mesmo acedeu, logo de seguida. Ali ocupou um lugar, de assalariado, de lixador de louça, num regime constante e intensivo – , que lhe sujava demasiado o vestuário, em virtude de expelir uma abundante poeira cinzenta no ambiente de trabalho, que atacava os pulmões, devido à sua composição química – , e auferindo um salário muito modesto, nada compatível com aquela árdua e perigosa função. “Mas era pegar ou largar”.