17 de Abril de 2025 | Coimbra
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VASCO FRANCISCO

Contradança

4 de Fevereiro 2022

As nuvens vão pairando ao de leve em promessas que se prolongam, fazendo andar o povo de braços erguidos e frustrados à atmosfera pela falta de água que se faz sentir. O inverno vai assim correndo seco e frio, fazendo da paisagem a sua contradança onde o verde típico desta época é pálido ou mesmo raro. Enquanto a maior parte das árvores repousam de ramos nus, prometendo para breve um novo recomeço, aquelas que se afirmam persistentes tentam assim resistir numa luta cada vez mais desafiante. Os citrinos ponteiam de cor os pomares e as hortas, numa graça tamanha de frutos que suplicam por essa água prometida, tal como a anseiam os lameiros onde os pastos assim prometem escassear. Já nem a sabedoria popular se entende nesta contradança ambiental e social, mas a fé é sempre uma reste de luz para o povo e assim confirma que está o inverno para vir, pois a Senhora das Candeias (2 de fevereiro) acordou o dia a sorrir. Mas tudo vai além da crença mesmo sem lá chegar e é eminente a mudança, requerendo o mundo novas políticas e apoios, mas acima de tudo são necessárias novas práticas.

São inóspitas as imagens que se vivenciam ou se observam por aí. Os rios e ribeiros vão correndo de fraco leito, albufeiras transformadas em desertos onde emergem à memória aldeias alagadas em troca de energia, solos gretados como peças desatadas de um puzzle degradado, toda uma fauna e flora que desiste da vida lutando até ao fim, onde as árvores morrem de pé, onde os animais desfalecem junto à última poça de água. São as imagens chocantes, essas que só com elas as sociedades se alertarão verdadeiramente da gravidade de um mundo real. É eminente a mudança, onde a ciência e os interesses políticos, coletivos ou individuais andarão sempre em conflito. Mais do que nunca é importante o civismo e o dever ecológico de cada indivíduo e de cada setor económico.

O fogo vai estalando na lareira, onde as panelas se chegam ao calor e se vigiam atentamente pelos olhos de uma mestra. O fumeiro decora agora a boca da chaminé como um ritual de aproveitamento e do calendário rural. Numa das prateleiras da cantareira o rádio vai soltando as notícias de uma atualidade onde se preenche o horário de política, de pandemia, de conflitos, e demais temas que se repetem, onde a seca chega a abrir os noticiários como cada vez mais preocupante. A falta de água é grave, mas mais severa é a seca de valores, de humanismo, de responsabilidades, de cultura e, ainda, a gradual seca de paz.


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