Vêm-me à memória as noites em que as mulheres da minha terra, depois de um duro dia de trabalho, atavam um pano branco à volta da testa por via do suor e prantavam-se a amassar a broa. Para a levedar juntavam-lhe o “crescente”, também por aqui chamado “emprenhador”, que sempre era pedido emprestado e assim corria a aldeia. Era ele que fazia medrar a massa na gamela, onde tomava o aspeto de um ventre de mulher em gestação adiantada, sobre a qual, devotadamente era feita uma cruz, ao mesmo tempo que se pronunciavam palavras de encomendação: “Que Deus te acrescente e que dê para mim e para toda a minha gente, ou que Deus te dê a virtude, que eu cá fiz o que pude”.
Quando a cruz desaparecia era sinal de que estava lêveda e podia ser cozida, mas sem grandes esperas, para não azedar. Nessa altura, varria-se o lastro do forno com ramos e “javardeiras” verdes e o brasido, se muito vivo, ficava encostado aos lados, amuado com cinza que só era retirada se fosse necessário espicaçar o calor. Finalmente raspava-se no lastro com o roleiro para calcular a temperatura, o que se conseguia se ali incandescesse uma espécie de limalha. Muitas vezes ainda se atirava uma mão cheia de sal lá para dentro que devia arder fazendo estrelinhas. Nessa altura, a primeira coisa que se fazia era encher a escudela de massa para garantir o novo fermento que voltaria a andar de casa em casa. Depois, havia que tender a broa, colocá-la em cima da pá, enforná-la e depois mexê-la para o lar ficar rijo. Quem podia, metia-lhes dentro sardinha ou toucinho sendo as primeiras a ser comidas. A última a entrar no forno era a “tôrta” que, mal era poisada, se achatava com a pá para cozer mais depressa. Com ela se faziam as sopas cegas, desde sempre a ceia destas noites, esboroando-a numa bacia de barro de onde todos picavam, à qual se tinha acrescentado água morna, um fio de azeite e uns dentes de alho. Nas casas mais desafogadas faziam-se tortos para os garotos com a rapadura da gamela e que guloseima quando as nossas mães lhes juntavam uns “póses” de açúcar! Mas a broa nem sempre dava para a semana toda e, quando faltava, pedia-se uma emprestada ou tão só uma “amétade” à vizinha. No dia seguinte a ser cozida, então já fria, a mãe colocava-a numa tábua suspensa da trave da cozinha, onde as crianças não chegavam. A partir daí, só os pais tinham acesso a ela e só eles a repartiam em quinhões consoante a idade e as tarefas de cada um.
Esta era a tábua da broa, o deprimente símbolo da fome na antiga Gândara.
Uma reflexão nesta quadra festiva!