A escuta mais curiosa da Operação Influencer é entre Pedro Nuno Santos e João Galamba. Não tem, tanto quando percebi, nenhuma relevância criminal. Mas muita relevância política. Falando sobre o licenciamento dos data centers de Sines, Pedro Nuno Santos pergunta a despropósito, quando Galamba menciona o primeiro-ministro, se “o melhor amigo do primeiro-ministro já sabe”. Ao que o interlocutor responde que o “melhor amigo” é consultor do projeto.
É uma escuta exemplar para percebermos os governos de António Costa. Todos os ministros e secretários de Estado sabiam da posição exótica que o melhor amigo de António Costa, Lacerda Machado, ocupava informalmente nos grandes dossiers governativos E comentavam entre si o tema. O que também nos permite cogitar que autoridade moral os ministros atribuíam ao primeiro-ministro. E se, como o exemplo vem de cima, este envolvimento, oficioso mas não oficial nos assuntos governativos do melhor amigo do primeiro-ministro deu carta-branca aos ministros para eles próprios não terem um comportamento escrupulosamente ético. Por exemplo, sei lá aceitarem jantares nos restaurantes mais caros de Lisboa, como fez Galamba, numa proximidade
muito dispensável entre governantes e governados que licenciam coisas gigante e precisam de agilização governativa, digamos assim.
A Operação Influencer tem de ser avaliada politicamente. Mas não vai ser. Porque a fenomenal máquina do PS de criar narrativas já está em campo. Com o argumento rasteiro do costume: a responsabilidade política esgota-se numa eventual responsabilidade criminal. E vão mais longe; o caso Influencer não vale nada. São só almoços e jantares. Que hilariante este persecutório Ministério Público.
A decisão do juiz de instrução criminal de não manter nenhum dos investigadores em prisão preventiva – enquanto decorre o resto da investigação – é mostrada como se tratasse de um despacho de arquivamento e, portanto, não acusação. Ficaram livres como um pássaro, segundo a narrativa. O juiz de instrução não considerar sólidos os indícios de corrupção e prevaricação apresenta-se como selo de que os procuradores deliram – e, de seguida, menospreza-se o tal melhor amigo do primeiro-ministro e o seu chefe de gabinete estarem, segundo o dito juiz, “fortemente indiciado” por tráfico de influências.
É muito pouco, aparentemente, o homem que António Costa escolheu para seu braço direito, com conhecimento de todos os dossiers, vindo dessa boa escola de ética que foram os gabinetes de Sócrates, bem como o melhor amigo do primeiro-ministro, que aparecia qual fada madrinha dos negócios nos mais variados dossiers do Governo (trazido pelo próprio António Costa), terem fortes indícios de traficarem influências.
Não se sabe o que se passa na investigação do Supremo Tribunal de Justiça. Sabe-se que a escuta suspeita sobre António Costa foi validada por um juiz que descartou duas outras por não as considerar criminalmente relevantes. Isto também é indiferente para os promotores da narrativa. Usam ferocidades no escrutínio do MP, mas nenhuma escrutinando o PS. A seguir esbracejam com as intenções de voto no partido populista que se diz implacável com a corrupção, como se não criassem o ambiente onde esta floresce.
A segunda tarefa: mostrar que o episódio Sócrates era, afinal só, enfim, uma tendência pessoal do ex-primeiro-ministro, não contaminado o resto do PS, António Costa, sempre propenso aos braços de ferro e à demonstração de força (a sua) como objetivo último da governação, foi buscar deliberadamente os mais próximos de Sócrates para forçar essa mensagem. E teimou em não manter bitolas éticas mínimas para os seus ministros, mesmo nos casos mais estrambólicos.
Sucede que falhou a segunda tarefa essencial. Não bastava não passarmos por novo trauma Sócrates, com um primeiro-ministro permanentemente investigado e, mais tarde, um ex-primeiro-ministro detido e acusado de corrupção – relembre-se: também aqui houve muito fumo investigativo antes de haver muitas labaredas. António Costa tinha de garantir, pelo menos nos altos escalões do Governo e das nomeações políticas, até porque se rodeou de muitos vultos do socratismo, atuação estritamente em prol do bem comum e uso imaculado do poder.
Não o fazendo, e terminando investigado com dois dos seus mais próximos envolvidos em tráfico de influências, António Costa conseguiu mostrar que, sim, afinal a governação socialista é permeável à corrupção, aos favores, aos atropelos para licenciar coisas a empresas amigas que contratara os consultores certos e pagam jantares upa upa.
E se, afinal, ninguém for condenados? E se o primeiro-ministro não for acusado? Não acompanho teorias da conspiração do Ministério Púbico – no país do respeitinho, das conexões, do MP anormalmente manso com o poder político – perseguindo gratuitamente político. Já não me espantariam, no entanto, doses generosas de incompetência. Contudo, isso é para os tribunais. A avaliação política é possível – desejável – com o que já conhecemos.
E se o caso Influencer é tão pouco espesso, fica por explicar por que carga de água um primeiro-ministro, que gosta e dar pancada nos opositores, se demitiu. Se sabia que a investigação seria anedótica, é tão irresponsável que abandona o cargo para o qual foi eleito com uma maioria absoluta?
E por que diabo anda o primeiro-ministro tão de cabeça perdida, a ponto de atacar o Presidente da República por decidir dissolver o Parlamento, como se a crise não se originasse no seu chefe de gabinete, no seu melhor amigo e na sua demissão – em suma, em António Costa? De caminho, contando conversas com Mário Centeno que o próprio e o Presidente esperariam manter reservadas. E porque faz preleções em São Bento, na qualidade de primeiro-ministro, sobre governação e investimentos, para dizer coisa nenhum e em clara tentativa de condicionar juízes e procuradores?