Com o funcionamento das escolas perturbado por sucessivas greves, contra a vontade dos sindicatos do sector, do Presidente da República, dos partidos da oposição, de muita opinião publicada, o primeiro-ministro, António Costa, resistiu meses a fio, e acabou por vencer o braço-de-ferro da devolução do tempo de serviço congelado aos professores. Uma vitória que proclamou, mais uma vez, de forma calma e segura, na entrevista que deu à CNN.
Terá sido das passagens do seu discurso menos noticiadas e comentadas. “Não vendo ilusões” afirmou o primeiro-ministro, para garantir: “ Não vou estar a comprometer-me com algo que sei que não posso cumprir e que é insustentável para o país.” E tratou de fazer o contraditório com o PSD, que tinha proposto a devolução faseada do tempo de serviço: “Acho bem que o PSD, que conviveu bem com o congelamento, agora queira recuperar tempo (…) Não posso recuperar só para algumas carreiras; o que fizemos foi aplicar aos professores o que se fez para os outros”
Mantendo a sua posição, António Costa repetiu a ideia já anteriormente assumida de que não podia dar mais reposição de carreira aos professores sem que isso tivesse de abranger também as outras carreiras da função pública. Mas aproveitou para expor a aparente alteração de posições do PSD sobre o assunto, no plano do descongelamento e no da aceitação de tratamento privilegiados dos professores em relação à restante função pública. Isto porque o PSD de Luís Montenegro veio agora propor a devolução do tempo de serviço de forma faseada ao longo de um número de anos.
A proposta do PSD pode ser vista como uma alteração de posição do partido, mas é de facto em relação ao PSD de Passos Coelho, de quem Luís Montenegro foi líder parlamentar, e não tanto do PSD de Rui Rio. Isto porque, em 2019, o PSD acabou por abandonar o acordo que estava a ser gizado em Comissão Parlamentar de Educação, por toda a oposição, de modo a que a Assembleia da República aprovasse o descongelamento do tempo de serviço. A verdade, porém, é que inicialmente concordou com a medida.
À época, o PS tinha maioria relativa no Parlamento e ainda não a maioria absoluta que agora detém. Essa negociação de toda a oposição gerou um pico de crise política, tendo o PSD, liderado por Rui Rio, o CDS presidido por Assunção Cristas acabado por recuar a de se retirarem do acordo. Isto porque António Costa veio a público, na noite de 3 de Maio, dramatizar a situação política ao anunciar que, se tal acordo fosse viabilizado, ele se demitiria das funções de primeiro-ministro e provocaria eleições antecipadas: “Ao Governo cumpre garantir a confiança dos portugueses nos compromissos que assumimos e a credibilidade externa do país. Nestas condições, entendi ser meu dever de lealdade institucional informar o Presidente da República e o presidente da Assembleia da República que a aprovação em votação final global desta iniciativa parlamentar forçará o Governo a apresentar a sua demissão.”
Mas se esta é uma segunda vez em que António Costa se impõe ao PSD neste assunto, recordemos que ele acabou por levar a melhor neste tema também perante o Presidente da República, ainda que com uma cedência formal. Lembremos o que se passou, em 2023, com o decreto-lei em que o Governo acelerou a progressão na carreira dos professores, pondo ponto final à possibilidade de recuperação integral. Marcelo Rebelo de Sousa decide vetar o diploma.
Conversações entre Presidente da República e primeiro-ministro levam a que o Governo inclua no diploma uma passagem, que foi considerada por Marcelo Rebelo de Sousa como o entreabrir de uma porta para futuras negociações entre Governo e sindicatos. A saber: “A solução constante deste diploma, coerente com o pograma do Governo e a estratégia de valorização do conjunto dos serviços do Estado, em especial a escola pública e o SNS, não prejudica que, em diferentes conjunturas, designadamente em próximas legislaturas, possam ser adoptadas outras soluções, sem prejuízo naturalmente dos direitos ora adquiridos pelos educadores de infância e professores.”
Uma cedência do Governo que o Presidente explicou ser suficiente, já que a admissibilidade de outras “soluções” encontradas no futuro e a introdução do termo “designadamente” apontava para “futuras legislativas”, mas também podia ser considerado que as negociações poderiam decorrer na actual legislatura. Passadas algumas semanas, o Presidente da República promulgou o diploma com o modelo de aceleração da progressão defendido pelo Governo intacto.
Depois de um ano lectivo de 2022/2023, em que o funcionamento das escolas públicas foi perturbado por sucessivas greves, até pode ter ficado na opinião pública a ideia de que António Costa fio intransigente com os professores e não lhe deu nada. A verdade é que o primeiro-ministro deu o que considerou que podia dar: a aceleração na progressão da carreira e as alterações às regras dos concursos de colocação de professores. Resta agora aos sindicatos tentar insistir na sua luta sindical para procurar o tempo de serviço congelado, embora seja para mim, evidente que tal, não será dado, enquanto António Costa for primeiro-ministro.
Ainda na sexta-feira, houve mais uma greve convocada pela Federação Nacional de Professores e pela Federação Nacional de Educação. E pode ser que a luta dos professores se radicalize e que volte a transformar as escolas em terreno de instabilidade permanente. Mas não é de esperar que essa radicalização afecte António Costa mais do que afectou no ano passado. Até porque uma eventual imagem de que o Governo perdeu esta batalha que foi intransigente com os professores, já fez o estrago que tinha de fazer.
Tenho, além disso, dúvidas de que os professores se voltem a mobilizar como no ano lectivo passado. A surpresa da radicalização desta luta foi a acção das greves intermitentes do Sindicato de Todos os Profissionais da Educação (Stop), com paralisações de todos os profissionais das escolas por períodos parciais do dia, o que agora já não é novidade. Acresce ainda que o Stop vive uma crise interna típica dos movimentos e dos partidos radicais de extrema-esquerda portuguesa após o 25 de Abril, o fraccionismo e as guerras internas. Aliás, não se deve ignorar o que tem sido a história recente de André Pestana, líder do Stop e ex-dirigente do MAS.
Como o nosso, jornal noticiou, este partido vive uma guerra interna entre a atual líder, Renata Cambra, e o líder fundador, Gil Garcia, em cujo grupo André Pestana se incluía, que pode resultar na sua ilegalização pelo Tribunal Constitucional. Já no Stop em finais de Setembro, André Pestana foi reeleito líder, depois de uma guerra interna entre e ele e a ex-dirigente Carla Piedade, que desempenhou uma liderança interna, durante as férias do primeiro. Tudo indicando que o clima de guerra interna permanecerá.
Ou seja, o radicalismo do Stop e as lutas internas poderão contribuir para esvaziar a mobilização dos professores. Até porque muitos destes já entendera que deste Governo não obterão mais nada. E ainda que seja verdade que a imagem do Governo saiu prejudicado neste braço-de-ferro com os professores, o que é facto é que a capacidade de resistência e de negociar só o que quis negociar do primeiro-ministro resultou numa vitória política de António Costa.