Vieram para Portugal há cerca de sete anos e são dois dos pais fundadores da Comunidade de Aprendizagem das Cerejeiras, situada no Rabaçal, concelho de Penela. São eles Ilya Borin e Elina Borin. Um casal com três filhos que procurava algo diferente a nível de aprendizagem quando adotaram as terras lusitanas como a sua morada. Queriam, acima de tudo, que os filhos fossem felizes e vissem o ensino como algo divertido. Bem -vindos à escola moderna, onde, segundo este casal, a liberdade e a felicidade são as disciplinas principais.
Bianca de Matos
Mudaram para Portugal e procuraram soluções para os filhos. Encontraram um local de ensino doméstico, na zona da Lousã, onde estavam mais famílias estrangeiras. A partir daí, sentiram necessidade de procurar por ideias alternativas. Foi aí que nasceu a Comunidade de Aprendizagem das Cerejeiras, no verão de 2016, com mais quatro famílias, duas delas portuguesas, na aldeia das Cerejeiras, em Penela.
Um projeto educativo que muito pouco tem a ver com a ideia de ensino tradicional, baseando-se nos métodos do movimento a que se chama “escola moderna”.
O “Despertar” teve a oportunidade de conhecer de perto este conceito. Foi notória a felicidade das crianças. Ali, não há quadros nem as típicas mesas retangulares. Ali, não há trabalhos de casa. Ali, não há a figura tradicional de professor. As crianças têm liberdade de escolha, aprendem outras competências. Respeito, confiança, responsabilidade, entre outros valores. Há matemática? Sim, há. História? Também. E ciências? Também há. Mas naquela comunidade há muito mais do que aprender a somar ou a dividir. Há muito mais do que aprender a ler e a escrever. Há muito mais do que incutir as matérias das disciplinas ditas “tradicionais”. Ali, as crianças também têm voz e são ouvidas.
“Aqui, somos uma ‘escola’ democrática, em que as crianças têm muito mais liberdade de escolha a nível dos conteúdos que pretendem estudar, no horário semanal e constróiem a sua agenda”, explicou o casal fundador, Ilya Borin e Elina Borin .
Além disso, são eles que sugerem e desenvolvem projetos de diversas temáticas, onde a criatividade e imaginação são as palavras chave, bem como a autonomia e a curiosidade.
“Tenho o meu projeto sobre abelhas. As abelhas fizeram ninho na escola e quisemos saber mais sobre isso e construir uma casinha para elas”, contou a pequena Frankie, de nove anos, que está certa de que quer ser bióloga .
Esta comunidade, afirmou com entusiasmo, “é diferente de todas as outras”. “Aqui, temos mesas redondas e todos podem falar, sejam os mais velhos ou mais novos, todos podem falar e dar a sua opinião”, acrescentou.
Ao mesmo tempo, Annamaja disse que adora os projetos. “Podemos fazer o que gostamos e também trabalhar todos juntos, que é algo que gosto muito”.
Ambas e outras tantas crianças, ao todo são 37, entre os três e os 14 anos, têm a mesma certeza: são felizes naquela escola. A sua maioria é daquela zona (Penela), mas também há quem seja de Miranda Corvo, Ansião e Coimbra. Dois terços são de outras nacionalidades. “Utilizamos como língua principal o português, mas também praticamos, por exemplo, o inglês, alemão, russo”, referiu Ilya Borin.
Parece não haver dúvidas que este método de aprendizagem, em que não há um horário rigoroso ou a obrigatoriedade de ter de estar sentado numa cadeira ao longo do dia a ouvir os tutores, tem resultados nas crianças. Pelo menos, os rostos de alegria tendem a mostrar isso mesmo.
“Há crianças mais novas a partilhar o seu conhecimento com as mais velhas, pois todos aprendem ao seu ritmo”, notou Elina Borin.
Todos têm voz
Naquele espaço do Rabaçal, há várias salas, um refeitório e o recreio. Mas todas as crianças convivem entre si. Conversas, brincadeiras, risos, felicidade ecoam pelos vários espaços. Também espírito de entreajuda é vísivel. Bastou olhar para duas crianças a ajudar a limpar e a arrumar a sala .
Também há outras atividades. Xadrez, programação, artes, movimento, tricô e marcenaria. E até os pais podem participar, pois, tal como afirmou Ilya Borin, “eles são parte integral da comunidade e também fazem propostas de iniciativas”. “A própria comunidade pode vir partilhar o seu conhecimento”, reforçou o casal.
Os facilitadores de aprendizagem (professores) são cerca de 20, entre os que lecionam presencialmente e à distância. Jéssica Araldi, professora na Comunidade das Cerejeiras desde dezembro do ano passado, viu neste projeto uma nova oportunidade de ensino, “moderno e diferente”.
“Confesso que já tinha desistido de trabalhar na educação, porque já estava muito frustrada de trabalhar com crianças em escolas , em que elas têm que ficar fechadas numa sala, caladas ou a ler, a ouvir o professor”, partilhou, ao salientar que “uma escola que vive apenas do silêncio, não entende o sentido de infância, de ser criança”.
Ali, naquela comunidade, encontrou um espaço onde a figura central de professor não existe. “Podemos não dar o conteúdo tão aprofundado como numa escola tradicional que segue um plano curricular, mas temos a certeza de que as coisas que foram aprendidas aqui nunca mais serão esquecidas”, vincou.
De acordo com Jéssica Araldi, pela sua experiência enquanto professora, há muita diferença daquilo que é a típica escola. “São muito autoconfiantes e gostam de experimentar, sem medos. Espero que este método vire uma tendência, porque a sociedade que queremos para o futuro é essa, a que questiona e tira o professor do centro, onde as pessoas saibam que as palavras das crianças importam e têm valor”.
Este é um projeto que mostra como estudar pode ser algo divertido. O casal fundador, Ilya Borin e Elina Borin, asseguram que os seus três filhos são apaixonados pelos estudos. “Aprendem os conteúdos da escola tradicional com muito mais facilidade, porque foram eles que escolheram e têm esta opção de escolha, têm alguém que ouve as suas escolhas e lhes dá importância”, sublinharam ao mencionar que a filha mais velha vai fazer agora os exames do nono ano, sendo a primeira da comunidade a finalizar os estudos ali.
A maioria das crianças estão inscritas no ensino doméstico e têm de fazer exames no quarto, sexto e nono ano. Por isso, têm um documento comprovativo em que são avaliados pela escola pública e ficam com uma declaração que comprova que terminaram o ano. No final, podem entrar para o ensino secundário e prosseguir estudos.
“Sabemos que damos uma boa base para eles ‘voarem’ e estudarem aquilo que quiserem”, disseram com um sorriso.
“Acredito que este método de ensino pode ser o futuro”
Durante a visita à comunidade, foi fácil entender alguns dos benefícios deste método de ensino, sendo o maior a saltar à vista a felicidade das criança. A ideia é bem simples: “quando a criança está feliz, o estudo é mais motivante e entusiasmante, é mais natural e torna-se mais fácil”, explicou Ilya Borin e Elina Borin.
“Os alunos que normalmente saem daqui tendem a ter notas espetacularmente altas nos exames, ou seja, esta insistência de atividades alternativas complementares e este ensino propriamente dito acaba por não penalizar de forma alguma os resultados dos alunos”, partilhou João Ribeiro, pai de Guilherme, de seis anos, que também está na comunidade. Este progenitor não tem mesmo dúvidas nesta forma de ensinar, garantindo que ali, o seu filho “tem oportunidade de ser ele próprio”.
Segundo Ilya Borin e Elina Borin, a comunidade tem crescido de dia para dia e a procura também “há cada vez mais pessoas a procurar por estas soluções alternativas, uma vez que acreditam que a escola é condicionada e desatualizada para o mundo atual. Nos últimos meses, diria que a cada semana recebemos duas famílias. Já temos uma lista de espera para o próximo ano”, divulgou.
Apesar de não ser considerada uma “escola”, a Comunidade das Cerejeiras pretende ser reconhecida como tal pelo Ministério da Educação, “mas mantendo sempre este conceito, de que a escola não é difícil, não é uma sala com quatro paredes, mesas, cadeiras, um quadro e um professor”. “Escola é toda a aldeia, toda a comunidade. É inclusão e partilha”, salientou.